Bendita
Herança Maldita !
Claudio
Bittencourt *
(IMAGENS POR CONTA DO HUMOR DO BLOG)
Nunca antes na
história deste país um presidente da República recebeu do antecessor condições
tão benditas quanto Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula.
Não acredita? Então vamos lá, do princípio. Tudo começou quando um jovem fidalgo
português, de nome Pedro Álvares Cabral, partiu de Lisboa em busca das Índias
(com I maiúsculo!) nos idos de 1500...
Ok, ok, vamos pular essa parte.
Passou-se o tempo, o
Brasil foi descoberto, a independência declarada, a escravidão abolida, a
República proclamada, a ditadura instaurada e a democracia restaurada - em
tese. Após muita instabilidade política
e um breve período de vacas gordas, o Brasil mergulhou na 'década perdida', como
ficaram conhecidos os anos oitenta do século XX, que combinava estagnação,
hiperinflação e uma sucessão interminável de crises e planos econômicos
fracassados.
Foi aí que um presidente da
República chamado Itamar Franco, assessorado pelo ministro da Fazenda, Fernando
Henrique Cardoso, o FHC, lançou, em 1994, mais um plano de estabilização da
moeda, o Plano Real. Só que esse, ao
contrário dos anteriores, deu certo, a despeito da oposição de Lula e do seu
partido, o PT, que, entre outras imprecações, o taxaram de eleitoreiro.
Os anos que se
seguiram foram muito difíceis para o Plano Real, que quase deu com os burros
n'água. Pode-se imaginar o que seja
superar décadas de cultura inflacionária e enfrentar e corrigir as distorções
acumuladas em tão longo período de desvario econômico. Mas o que tinha que ser feito foi feito, na
medida do possível, às vezes aos trancos e barrancos, mas foi feito. Para começar, na esteira do Plano Real veio o
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional, o Proer, com o propósito de restabelecer a solidez e a credibilidade
do sistema financeiro, grandemente abaladas pela novel estabilidade da
moeda. Na era pré-Real, os bancos se
viciaram em inflação, droga alucinógena da qual tiravam a maior parte dos seus
ganhos. Domado o dragão inflacionário,
os bancos foram atacados por uma terrível síndrome de abstinência, privados que
estavam daquela cachacinha cotidiana (inflação = 1,2% ao dia!). Segundo dados do Banco Central, 22 deles
sofreram intervenção/liquidação em pouco mais de um ano.
Lula e o PT foram
radicalmente contra, conseguiram até uma liminar suspensiva na Justiça,
felizmente cassada. O Proer foi tão
bem-sucedido que até hoje o nosso sistema financeiro é considerado um dos mais
sólidos do planeta, tendo passado incólume pela crise de 2008. Na ocasião, Lula, o indefectível, estufou o
peito e cantou de galo para o seu colega americano: “O Brasil tem know-how para
salvar bancos. Tem o Proer. Se eles americanos precisarem podemos mandar
tecnologia”.
Reconhecimento
tardio? Ato falho? Não, empáfia mesmo.
Se petistas e afins
implicaram com o Proer, imagine-se o que não fizeram com o Programa de
Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária, o Proes, uma
espécie de Proer dos bancos estaduais.
Aí, além das costumeiras imprecações, valeu de tudo, até chute na
canela, cusparada na cara e cotovelada em praça pública. A situação desses bancos, que já não era boa
antes do Real, tornou-se insustentável com a estabilização da moeda. Ignorando solenemente as mais elementares
regras de boa administração bancária e de prudência financeira, os bancos
estaduais tinham por hábito emprestar aos seus controladores, os governos
estaduais, sem garantias e até ao arrepio de leis e regulamentos. Financiando os déficits públicos a fundo
perdido e muitas vezes sem lastro, eles eram, em última análise, verdadeiras
máquinas de fazer dinheiro, uma ameaça real ao Plano Real - ameaça que se
multiplicava ad nauseam em ano de eleição.
O nó górdio estava de tal modo embaraçado que o desenrosco não
poderia ficar restrito à ponta bancária da meada. Era necessário mais, muito mais, era preciso
envolver os governos endividados em programas de ajuste fiscal sérios e acima
de tudo duradouros. Os entes federativos
foram então instados a aderir ao Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira
dos Estados, por meio do qual o governo federal assumia os passivos estaduais,
tomando por garantia as receitas futuras e os repasses do Fundo de Participação
dos Estados. Exigia, em troca, a adoção
de medidas de austeridade, entre elas a desestatização dos bancos estaduais e a
privatização das empresas públicas deficitárias.
Desestatização!!? Privatização??! Aaarg!!
- Lula e o PT, mais uma vez, radicalmente contra. A “repactuação das dívidas estaduais”, como
ficou conhecido o programa, foi lembrada recentemente, quando economistas de
renome internacional recomendaram solução idêntica para a crise da dívida
européia. Mais uma vez a velha Europa se
curvou diante do Brasil, e dessa vez não foi por causa do futebol, nem da
beleza, do charme e da simpatia da mulher brasileira.
Como coroamento das
medidas moralizadoras pós-Real, foi promulgada, na virada do milênio, a Lei de
Responsabilidade Fiscal - LRF, que veio disciplinar a gestão financeira dos
entes federativos (União, Distrito Federal, estados e municípios) não apenas no
âmbito do Executivo como do Legislativo e do Judiciário.
Ganhou a
transparência, perdeu a gastança irresponsável.
Quem foi radicalmente contra?
Ora, os de sempre, Lula e o PT.
Eles até ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo
Tribunal Federal (na linguagem das siglas: o PT ajuizou ADI no STF contra a LRF
do FHC). Diga-se a propósito que ainda
hoje eles procuram brechas por onde enfiar um pé-de-cabra jurídico e arrombar a
lei.
Note-se o tanto que
se avançou, em apenas 6 anos, no sentido de tornar a gestão pública brasileira
menos esculhambada, em todas as esferas.
Embora muito ainda estivesse por ser feito, o pontapé inicial fora dado.
A despeito dessas
iniciativas meritórias, o Brasil permanecia vulnerável a turbulências internas
e externas. Foram realmente difíceis os
primeiros anos do Plano Real, com a eclosão de três graves crises internacionais:
México em 1995, Sudeste Asiático em 1997 e Rússia em 1998. E para completar, uma esdrúxula moratória
mineira, em janeiro de 1999, decretada por ninguém menos que o expresidente
Itamar Franco, patrono do Plano Real - até tu Brutus? Uma paulada atrás da outra! Assim não há plano econômico que
aguente. A economia brasileira foi alvo
de sucessivos 'ataques especulativos' e quase que a vaca foi para o brejo. Salvou-a o Rhum Creosotado. Brincadeira, salvaram-na a maxidesvalorização
do Real de 1999 e a reformulação
da política econômica, que passou a assentar-se no tripé câmbio flutuante,
metas de inflação e superávit primário.
Acrescente-se a essa tríade a autonomia factual concedida ao Banco
Central.
Como de hábito, Lula
e o PT foram radicalmente contra. Para
eles, superávit primário foi a maneira que o governo malvado e neoliberal do
tucano FHC encontrou de tirar dinheiro dos pobres para entregar à 'banca'.
Nada a lamentar. Depois de 20 anos de desempenho medíocre da
economia, havíamos, finalmente, encontrado a saída. Os instrumentos de política macroeconômica
então adotados, aliados ao fortalecimento do sistema financeiro, ao saneamento
das contas públicas e às regras de austeridade fiscal, haviam formado o
alicerce que nos permitiria alcançar a prosperidade nos anos vindouros.
Após duas décadas de vacas magras, estávamos com tudo pronto para ingressar no período das vacas gordas.
Então, que vengam las vacas!
Não, ainda não. Uma ameaça pairava no ar. Lula, o indefectível, era candidato pela 4ª vez à presidência da República, desta feita com chances reais de vitória. Pelo histórico do personagem, era de se esperar que, uma vez eleito, pusesse em prática tudo aquilo que não se cansava de bravatear Brasil afora. Ou, pior, tudo que preconizava o programa do seu partido. Céus, o que seria de todo aquele arcabouço econômico-financeiro-legal, penosamente construído nos últimos anos, com grande sacrifício do povo brasileiro? Sabe lá Deus! O 'mercado', que não sabia, entrou em polvorosa. À medida que o tempo passava, as eleições se aproximavam e a vantagem de Lula se firmava, as bolsas despencavam, a inflação disparava e as divisas externas se esfarinhavam.
Aí, num golpe de
mestre, Lula escreveu (Lula escreveu!?) um documento chamado Carta ao Povo
Brasileiro, supostamente com a intenção de acalmar o mercado e, de quebra,
cooptar a classe média indecisa. O
texto, um tanto repetitivo, é também descosturado, não segue uma sequência lógica
de raciocínio. Os parágrafos se sucedem
ignorando-se uns aos outros, pulam de alhos para bugalhos sem a menor
cerimônia, vagam erráticos da visão crítica sobre a situação presente a
antevisões paradisíacas do porvir, saltam para as aspirações populares, tecem
comentários superficiais sobre algum fato econômico, citam reformas muito
necessárias à modernização do país, informam uma ou outra intenção do futuro
governo, destacam a importância das ações sociais, mergulham novamente na
avaliação crítica, citam mais algumas reformas, abordam an passant a política
internacional e tornam a enfatizar o descalabro em que o país se encontra
metido por culpa das más intenções dos atuais governantes.
Uma colcha de retalhos. No meio de tudo, destaca-se uma entidade
mítica, denominada 'modelo', citada sete vezes (conta de mentiroso) ao longo do
texto. O modelo esgotou-se, o modelo
fracassou, o modelo isso, o modelo aquilo...
Somos enfaticamente convencidos de que o 'modelo', seja lá isso o que
for, é o grande culpado por todos os males que nos afligem. Mas, aleluia, sob Lula, tudo será resolvido
com um modelo novo, zerinho, que nos trará a tão sonhada felicidade. E como será esse modelo estalando de novo? Nada é muito claro nesse sentido, mas,
pinçando aqui e ali, toma-se conhecimento de que Lula pretende aprofundar as
ações de cunho social, preservar as instituições, respeitar os compromissos
firmados pelo país, perseverar no combate à inflação, no controle das contas
públicas, no equilíbrio fiscal e, heresia das heresias, manter a política de
superávit primário.
Mas esse é o programa
que aí está, ora pitombas! Onde foram
parar os discursos inflamados das portas de fábrica? Onde foi parar a indignação contra as
privatizações, o Proer, o Proes, a LRF e tudo mais que esse governo corrupto e
neoliberal do FHC inventou para tirar dinheiro dos pobres e entregar às elites?
Morreram na praia?
Claro que não,
continuam vivíssimos até hoje, mas só na retórica, não nas ações de governo,
como se verá adiante.
Voltando aos propósitos
da Carta. Conforme dito, ela teria a
intenção de acalmar o mercado e cooptar a classe média indecisa. Quanto a esta, tudo bem, a classe média, como
sabemos, gosta mesmo de emprenhar pelos ouvidos. Tanto que, àquela altura da marcha eleitoral,
já pendia para a candidatura lulista.
Mas o mercado, convenhamos, nunca deu bola para discurso
pré-eleitoral; ele tem os seus próprios parâmetros, muitas vezes insondáveis, e
os petistas sempre souberam disso. Se
assim era, por que assumir compromissos opostos ao ideário tão
ferrenhamente defendido em anos e anos de militância política? A menos que o ideário de Lula não fosse bem
aquele que ele trombeteava nos palanques.
Mas quem será capaz de dizer qual é o ideário de Lula? Acho que nem ele mesmo - haja vista o que
pensa de si próprio: metamorfose ambulante.
A razão secreta dessa
aparente incoerência é que Lula sabia, seja por conhecimento próprio, seja por
que fora convencido pelos assessores mais próximos (posso apostar que aí tem o
dedo do Palocci) que o tal 'modelo' (novo ou velho, que diferença faz?) tinha
uma boa chance de dar certo. Claro,
desde que um governo desastrado não metesse os pés pelas mãos. Um rápido balanço da situação indicava
isso. O Brasil de Itamar e FHC tinha
feito direitinho o dever de casa, abandonando as aventuras heterodoxas e
perseguindo o receituário ortodoxo, penoso mas eficaz.
Alguns indicadores econômicos vinham sofrendo
piora nas últimas semanas, mas isso era mera consequência do pânico que se instalara
no mercado ante a provável vitória dos petistas nas urnas - nada que o tempo e
a reversão das expectativas não pudessem resolver. O importante é que o Plano Real havia passado
por provas severíssimas e conseguira sobreviver; a estabilidade da moeda era um
fato, estava consolidada. É certo que
algumas reformas ainda estavam por ser feitas, mas elas não eram assim tão
urgentes. No que diz respeito a fatores
externos, era visível que a economia americana passava por uma fase de
desaceleração, ainda abalada pelo estouro da 'bolha da internet', mas também
nada preocupante.
Em compensação,
despontava na Ásia, recém admitida na Organização Mundial de Comércio, a
gigante China, com um apetite incomensurável por commodities. Pesados os prós e os contras, valia a pena
apostar nos fundamentos econômicos do jeito que estavam. Assim se faria no início do mandato.
Depois, se alguma
coisa desse errado, a culpa seria posta neles mesmos, os fundamentos econômicos
herdados do FHC, e só aí se partiria para uma virada de mesa, perfeitamente
justificada. Uma ruptura imediata seria
um salto no escuro totalmente desnecessário, incompatível com personalidades
tão lúcidas e argutas como soem ser os próceres petistas, capazes de jogadas de
longo alcance, bem estudadas, diligentes, estratégicas, estruturadas,
pacientemente ensaiadas.
Não é
mesmo? Alguém convenceu alguém lá dentro
- quem disse que não há vida inteligente no PT?
E a militância, tão
aguerrida, tão consciente dos seus ideais, como é que fica numa encruzilhada
dessas? Aí entra em cena a Carta ao Povo
Brasileiro. Mais do que acalmar o
mercado e cooptar a classe média, a Carta tinha também o propósito de amansar
os companheiros mais extremados, ansiosos que estavam por desmontar e jogar no
lixo as iniciativas neoliberais do facinoroso FHC - justamente aquelas
iniciativas que agora se pretendia preservar.
Ou seja a Carta se propunha a agradar a gregos e a troianos. Melhor dizendo, agradar a uns e enganar a
outros.
Com certeza essa
dicotomia explica não só a pobreza da obra como a coexistência de tantas
contradições num texto tão curto. Para
não despertar a ira dos radicais, nada melhor que o palavrório de sempre, mas
sem carregar muito nas tintas, que é para não espantar o outro lado. E, principalmente, tudo deveria ser feito sem
creditar mérito ao inimigo, quer dizer, aos governos anteriores, que seria o
mesmo que render-se aos seus argumentos, algo verdadeiramente impensável,
passados mais de vinte anos de proselitismo petista.
Deu certo, a
militância nem percebeu a jogada - ou fingiu não perceber.
Esconder o mérito foi
a parte mais fácil do plano, bastou maquiar dados e fatos, arte na qual Lula
mostrou-se mestre insuperável. No caso
em tela, foi só vender o novo e entregar o velho. Foi o que se fez na Carta ao Povo Brasileiro.
Depois de
desqualificar o modelo existente, falar cobras e lagartos da situação em que o
país se encontrava, e repetir à exaustão que um novo modelo era preciso, o
documento sugere, ainda que de forma meio envergonhada, as linhas gerais do que
seria o modelo novo - igual ao velho, sem tirar nem por.
A essa altura dos
acontecimentos, Lula já emitia, antes mesmo de assumir o poder, os sinais de
que se apossaria do mérito pelos anos frutuosos que estavam por chegar. Tudo bem, se fosse apenas uma jogada
eleitoral para consumo interno do PT. O
diabo é que pegou gosto pela coisa e adotou-a como estratégia política.
Mais do que isso,
como estratégia de vida, levando às últimas consequências a técnica goebbeliana
de repetir uma mentira à exaustão, até que pareça verdade.
Assim nasceram a
“herança maldita”, o “nunca antes na história deste país” e outros chavões da
retórica lulopetista. No seu delírio de
grandeza, Lula terminou por assenhorear-se não apenas daquele mérito, mas de
todos que lhe aprouveram, passados, presentes e futuros. Nesse afã, não teve escrúpulos em passar uma
esponja na História do Brasil, declarando-se inventor de tudo que existe de bom
neste país, desde os tempos daquele jovem fidalgo português que partiu em busca
das Índias etc, etc. Aos adversários,
creditou a conta de tudo que é ruim. A
julgar pelos níveis de popularidade que alcançou, conseguiu convencer as massas
- o que se há de fazer?
Que extraordinário
poder de convencimento tem o Lula! Das
duas uma, ou é iluminado por Deus, ou tem parte com o Capeta - não há meio
termo. Cada brasileiro que escolha o
lado que lhe fala mais alto ao coração.
Antes que eu me
esqueça. Eu gostaria muito de me
orgulhar de um brasileiro que veio lá de baixo, do Agreste pernambucano, a
bordo de um pau-de-arara, enfrentou todo tipo de privações, conheceu a fome e a
miséria, começou a vida como simples operário, galgou todos os obstáculos e
chegou ao posto mais alto do meu país.
Ah, como eu gostaria! Não posso
negar que às vezes me orgulho sim, mas aí penso um pouquinho e caio na
realidade. O orgulho vira decepção, a
decepção vira desgosto e o desgosto vira indignação.
- Brasil, não poderia
ter sido um filho teu um pouco menos velhaco?
Voltando ao
foco. Enfim, o tal modelo novo não
apresentava novidade alguma, como de fato não as apresentou até hoje, passados
9 anos de governo petista - sinal de que era bom! Estão aí os instrumentos de política
macroeconômica que não me deixam mentir: o câmbio flutuante, o regime de metas
de inflação e o mal-falado superávit primário.
Até a autonomia do Banco Central foi mantida, a despeito de ter sido a
única instituição a levar um (discretíssimo) puxão de orelha no texto do Lula. Estão aí também os frutos das execradas privatizações,
nenhuma delas revertida, nem sequer contestada na justiça. Continua aí o programa de repactuação das
dívidas estaduais, em pleno funcionamento, assim como a Lei de Responsabilidade
Fiscal, a despeito das tentativas frustradas de desvirtuamento. E estão aí os frutos do Proer e do Proes,
também jamais questionados, senão da boca pra fora.
Bem examinada a
questão, constata-se que Lula, se não desfez o que estava feito, tampouco criou
algo novo para melhorar o Brasil. Nem
sequer as reformas citadas na Carta foram executadas a contendo. No frigir dos ovos, o seu governo apenas
surfou na maré de prosperidade que bafejou os países emergentes e que, no caso
do Brasil, é fruto do empenho dos seus antecessores. Lula, se mérito teve, não foi pelo que fez e
sim pelo que não fez.
Mas ele promoveu a
distribuição de renda, diminuindo as desigualdades sociais e resgatando da
miséria milhões de brasileiros, como nunca se fez antes na história deste país
- dirão os que optam pela versão divina do Lula.
Eu, que estou mais
inclinado para a versão oposta, por ora não contesto, mas pergunto quantos
brasileiros melhoraram de vida porque a economia mundial cresceu, quantos
melhoraram porque o Brasil cresceu e quantos melhoraram por conta das
iniciativas do governo. Destes, convém
distinguir os que ascenderam graças a ações sociais, digamos, ortodoxas
(exemplos clássicos: ações nos campos da educação, saúde, habitação,
saneamento, transporte público, inclusão digital, etc) daqueles que saíram da
miséria por vias heterodoxas, recebendo renda diretamente do governo.
A transferência
direta de renda ameniza um problema imediato, urgente, mas não pode ser um fim
em si. Para render frutos sociais tem
que ser condicionada à participação em outros programas, voltados para a
educação e a saúde dos assistidos bem como à sua inclusão na sociedade. Caso contrário vira esmola, que é a pior
coisa que pode acontecer.
“...uma esmola
a um homem qui é são / Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão” - já dizia
o Rei do Baião, um pernambucano que sabia das coisas.
Ademais, vista pela
ótica macroeconômica, tal distribuição carece de sustentabilidade. Se nos períodos de expansão ajuda a azeitar a
economia, em épocas de fraco desempenho surte o efeito contrário. E aí as coisas se complicam, pois a economia
é cíclica, como sabemos desde os tempos bíblicos. Sem falar no risco, sempre presente, de
descambar para o assistencialismo paternalista de cunho eleitoreiro.
De um programa de
distribuição de renda podemos dizer que será benfazejo se levar as pessoas à
porta de saída e, ao contrário, será nefasto se aprisioná-las nas fronteiras da
miséria.
E aí está o X da
questão: no que diz respeito a essa importantíssima distinção, os números ainda
estão por ser conhecidos no Brasil.
O que se conhece, e
assim mesmo precariamente, são os números de uma outra distribuição de renda,
oficiosa, não oficial, cujo público alvo não são os excluídos da sociedade e
sim os companheiros, os aliados, os amigos e os familiares. Corrupção é o seu nome.
Mas esse é um outro
capítulo da contribuição de Lula para a deseducação dos brasileiros.
* Claudio Bittencourt é coronel reformado do
Exército