O Livro Negro do Comunismo
Roberto Campos
Folha de S. Paulo e O Globo
19 Abr 1998
"Le
livre noir du communisme" (Edições Robert Laffont, Paris, 1997), escrito
por seis historiadores europeus, com acesso a arquivos soviéticos
recém-abertos, é uma espécie de enciclopédia da violência do comunismo. O chamado "socialismo real" foi uma
tragédia de dimensões planetárias, superior em abrangência e intensidade ao seu
êmulo totalitário do entre-guerras, o nazifascismo.
Ao
contrário da repressão episódica e acidental das ditaduras latino-americanas, a
violência comunista se tornou um instrumento político-ideológico, fazendo parte
da rotina de governo.
Essa sistematização do terror não
é rara na história humana, tendo repontado na Revolução Francesa do século 18
na fase violenta do jacobinismo, na "industrialização do extermínio
judaico" pelos nazistas, e - confesso-o com pudor - na inquisição da
Igreja Católica, que durante séculos queimava os corpos para purificar as
almas.
O "Livre noir" me veio
às mãos num momento oportuno em que, reaberto na mídia e no Congresso o debate
sobre a violência de nossos "anos de chumbo" nas décadas de 60 e 70,
me pusera a reler o "Brasil Nunca Mais", editado em 1985 pela
Arquidiocese de São Paulo.
Comparados os dois, verifica-se
que o Brasil não ultrapassou o abecedário da violência, palco que foi de um
miniconflito da Guerra Fria, enquanto que o "Livre noir" é um tratado
ecumênico sobre as depravações ínsitas do comunismo, este sem dúvida o
experimento mais sangrento de toda a história humana.
Produziu quase 100 milhões de
vítimas, em vários continentes, raças e culturas, indicando que a violência
comunista não foi mera aberração da psique eslava, mas, sim, algo
diabolicamente inerente à engenharia social marxista, que, querendo reformar o
homem pela força, transforma os dissidentes primeiro em inimigos e, depois, em
vítimas.
A aritmética macabra do comunismo
assim se classifica por ordem de grandeza: China (65 milhões de mortos); União
Soviética (20 milhões); Coréia do Norte (2 milhões); Camboja (2 milhões);
África (1,7 milhão, distribuído entre Etiópia, Angola e Moçambique);
Afeganistão (1,5 milhão); Vietnã (1 milhão); Leste Europeu (1 milhão); América
Latina (150 mil entre Cuba, Nicarágua e Peru); movimento comunista
internacional e partidos comunistas no poder (10 mil).
O comunismo fabricou três dos
maiores carniceiros da espécie humana - Lênin, Stálin e Mao Tse-tung. Lênin foi o iniciador do terror
soviético. Enquanto os czares russos em
quase um século (1825 a 1917) executaram 3.747 pessoas, Lênin superou esse
recorde em apenas quatro meses após a revolução de outubro de 1917.
Alguns líderes do Terceiro Mundo
figuram com distinção nessa galeria de assassinos. Em termos de percentagem da população, o
campeão absoluto foi Pol Pot, que exterminou em 3,5 anos um quarto da população
do Camboja.
Fidel Castro, por sua vez, é o
campeão absoluto da "exclusão social", pois 2,2 milhões de pessoas,
equivalentes a 20% da população da ilha, tiveram de fugir. Juntamente com o Vietnã, Fidel criou uma nova
espécie de refugiado, o "boat people" - ou seja, os
"balseros", milhares dos quais naufragaram, engordando os tubarões do
Caribe.
A vasta maioria dos países
comunistas é culpada dos três crimes definidos no artigo 6º do Estatuto de
Nuremberg: crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A discussão brasileira sobre os
nossos "anos de chumbo" raramente situa as coisas no contexto
internacional da Guerra Fria, a qual alcançou seu apogeu nos anos 60 e 70,
provocando um "refluxo autoritário" no Terceiro Mundo. Houve intervenções militares no Brasil e na
Bolívia em 1964, na Argentina em 1966, no Peru em 1968, no Equador em 1972, e
no Uruguai em 1973.
Fenômeno idêntico ocorreu em
outros continentes. Os militares
coreanos subiram ao governo em 1961 e adquiriram poderes ditatoriais em
1973. Houve golpes militares na
Indonésia em 1965, na Grécia em 1967 e, nesse mesmo ano, o presidente Marcos
impunha a lei marcial nas Filipinas, e Indira Gandhi declarava um "regime
de emergência". Em Taiwan e
Cingapura houve autoritarismo civil sob um partido dominante.
O grande mérito dos regimes
democráticos é preservar os direitos humanos, estigmatizando qualquer
iniciativa de violá-los. Mas por
lamentáveis que sejam as violências e torturas denunciadas no "Brasil,
Nunca Mais", elas empalidecem perto das brutalidades do comunismo cubano,
minudenciadas no "Livre noir".
Comparados ao carniceiro
profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros
destreinados apartando um conflito de subúrbio... Enquanto Fidel fuzilou entre 15 mil e 17 mil
pessoas (sendo 10 mil só na década de 60), o número de mortos e desaparecidos
no Brasil, entre 1964 e 1979, a julgar pelos pedidos de indenização, seria em
torno de 288, segundo a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, e de
224 casos comprovados, segundo a Comissão de Mortos e Desaparecidos do
Ministério da Justiça. O Brasil perde de
longe nessa aritmética macabra.
Em 1978, quando em nosso
Congresso já se discutia a "Lei da Anistia", havia em Cuba entre 15
mil e 20 mil prisioneiros políticos, número que declinou para cerca de 12 mil
em 1986. No ano passado, 38 anos depois
da Revolução de Sierra Maestra, ainda havia, segundo a Anistia Internacional,
entre 980 e 2.500 prisioneiros políticos na ilha. Em matéria de prisões e torturas, a
tecnologia cubana era altamente sofisticada, havendo "ratoneras",
"gavetas" e "tostadoras".
Registre-se um traço de inventividade tecnológica - a tortura
"merdácea", pela imersão de prisioneiros na merda.
Não houve prisões brasileiras
comparáveis a La Cabaña (onde ainda em 1982 houve 100 fuzilamentos), Boniato,
Kilo 5,5 ou Pinar Del Rio. Com estranha
incongruência, artistas e intelectuais e políticos que denunciam a tortura
brasileira visitam Cuba e chegam mesmo a tecer homenagens líricas a Fidel e a
seu algoz-adjunto Che Guevara.
Este, como procurador-geral, foi
comandante da prisão La Cabaña, onde, nos primeiros meses da revolução,
ocorreram 120 fuzilamentos (dos 550 confessados por Fidel Castro), inclusive as
execuções de Jesus Carreras, guerrilheiro contra a ditadura batista, e de Sori
Marin, ex-ministro da agricultura de Fidel.
Note-se que Che foi o inventor dos "campos de trabalho
coletivos", na península de Guanaha, versão cubana dos "gulags soviéticos"
e dos "campos de reeducação" do Vietnã.
A repressão comunista tem
características particularmente selvagens.
A responsabilidade é "coletiva", atingindo não apenas as
pessoas, mas as famílias. É habitual o
recurso a trabalhos forçados, em campos de concentração. Não há separação carcerária, ou mesmo
judicial, entre criminosos comuns e políticos.
Em Cuba, criou-se um instituto original, o da "periculosidade
pré-delitual", podendo a pessoa ser presa por mera suspeita das
autoridades, independentemente de fatos ou ações.
Causa-me infinda perplexidade, na
mídia internacional e em nosso discurso político local, a
"angelização" de Fidel e Guevara e a "satanização" de
Pinochet. Isso só pode resultar de
ignorância factual ou de safadeza ideológica.
Pinochet foi ditador por 17 anos;
Fidel está no poder há 39 anos. Pinochet
promoveu a abertura econômica e iniciou a redemocratização do país,
retirando-se após derrotado em plebiscito e em eleições democráticas como
senador vitalício (solução que, se imitada em Cuba, facilitaria o fim do
embargo).
Fidel considera uma obscenidade a
alternância no poder, preferindo submeter a nação cubana à miséria e à fome,
para se manter ditador. Pinochet deixou
a economia chilena numa trajetória de crescimento sustentado de 6,5% ao ano. Antes de Fidel, a economia cubana era a
terceira em renda por habitante entre os latino-americanos e hoje caiu ao nível
do Haiti e da Bolívia.
O Chile exporta capitais,
enquanto Fidel foi um pensionista da União Soviética e, agora, para arranjar
divisas, conta com remessas de exilados e receitas de turismo e
prostituição. Em termos de violência, o
número de mortos e desaparecidos no Chile foi estimado em 3.000, enquanto Fidel
fuzilou 17 mil!
Apesar de fronteiras terrestres
porosas, o Chile, com população comparável à de Cuba e sem os tubarões do
Caribe, sofreu um êxodo de apenas 30 mil chilenos, hoje em grande parte
retornados. Sob Fidel, 20% da população
da ilha, ou seja, algo que nas dimensões brasileiras seria comparável à Grande
São Paulo, teve de fugir.
Em suma, Pinochet submeteu-se à
democracia e tem bom senso em economia.
Fidel é um PhD em tirania e um analfabeto em economia. O "Livre noir" nos dá uma idéia da
bestialidade de que escapamos se triunfassem os radicais de esquerda. Lembremo-nos que, em 1963, Luiz Carlos
Prestes declarava desinibidamente que "nós os comunistas já estamos no
governo, mas não ainda no poder".
Parece-me ingenuidade histórica
imaginar que, na ausência da revolução de 1964, o Brasil manteria apenas com
alguns tropeços sua normalidade democrática.
A verdade é que Jango Goulart não planejara minimamente sua sucessão,
gerando suspeitas de continuísmo. E
estava exposto a ventos de radicalização de duas origens: a radicalização
sindical, que levaria à hiperinflação, e a radicalização ideológica, pregada
por Brizola e Arraes, que podia resultar em guerra civil.
É sumamente melancólico - porém
não irrealista - admitir-se que, no albor dos anos 60, este grande país não
tinha senão duas miseráveis opções: "anos de chumbo" ou "rios de
sangue"...
Contribuição do Blog (apenas divulgação, sem fins comerciais, he he he)
"Le
livre noir du communisme" (Edições Robert Laffont, Paris, 1997) foi
publicado no Brasil em 2001 pela Editora Bertrand Brasil, sob o título "O
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