Ninguém pode enterrar Sócrates
Cinco séculos antes de Cristo, viveu em Atenas o maior dos filósofos, Sócrates. Sua filosofia não era mera especulação, mas a própria vida que levava.
Já idoso, Sócrates foi condenado à morte - embora inocente. Enquanto aguardava no cárcere o dia da execução, seus amigos e discípulos reviravam céus e terra para livrá-lo da morte. Sócrates, contudo, não moveu um único dedo nesse sentido: com tranqüilidade e paz de espírito aguardou o dia em que deveria beber a cicuta mortal.
Na véspera da execução, porém, seus amigos conseguiram subornar o carcereiro, que abriu-lhes a prisão. Críton, o mais ardente dos discípulos de Sócrates, entrou na cadeia e disse ao mestre:
- Foge depressa, Sócrates!
- Fugir... por que? - perguntou o preso.
- Ora, não sabes que amanhã te vão matar?
- Matar-me? A mim? Ninguém me pode matar!
- Mas... amanhã terás de beber a taça do veneno mortal - insistiu Críton. Vamos, mestre, foge depressa para escapares à morte!
- Meu caro amigo Críton - respondeu o condenado - que mau filósofo és tu! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim...
E, puxando com os dedos a pele da mão, Sócrates perguntou:
- Críton, achas que isto aqui é Sócrates?
E, batendo com o punho no osso do crânio, acrescentou:
- Achas que isto aqui é Sócrates? Pois é isto que eles vão matar. Este invólucro material. Mas não a mim. Eu sou minha alma! Ninguém pode matar Sócrates!
E ficou sentado na cadeia aberta, enquanto Críton se retirava, chorando, sem compreender o comportamento do mestre.
No dia seguinte, quando o sentenciado já bebera o veneno mortal e seu corpo ia perdendo aos poucos a sensibilidade, Críton perguntou-lhe, entre soluços:
- Sócrates, onde queres que te enterremos?
Ao que o filósofo, semiconsciente, murmurou:
- Já te disse, amigo, ninguém pode enterrar Sócrates! Quanto a este invólucro, enterrai-o onde quiseres. Não sou eu. Eu sou minha alma.
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