17 de dez. de 2010


Ninguém pode enterrar Sócrates 

    Cinco séculos antes de Cristo, viveu em Atenas o maior dos filósofos, Sócrates. Sua filosofia não era mera especulação, mas a própria vida que levava.
    Já idoso, Sócrates foi condenado à morte - embora inocente. Enquanto aguardava no cárcere o dia da execução, seus amigos e discípulos reviravam céus e terra para livrá-lo da morte. Sócrates, contudo, não moveu um único dedo nesse sentido: com tranqüilidade e paz de espírito aguardou o dia em que deveria beber a cicuta mortal.
    Na véspera da execução, porém, seus amigos conseguiram subornar o carcereiro, que abriu-lhes a prisão. Críton, o mais ardente dos discípulos de Sócrates, entrou na cadeia e disse ao mestre:
    - Foge depressa, Sócrates!
    - Fugir... por que? - perguntou o preso.
    - Ora, não sabes que amanhã te vão matar?
    - Matar-me? A mim? Ninguém me pode matar!
    - Mas... amanhã terás de beber a taça do veneno mortal - insistiu Críton. Vamos, mestre, foge depressa para escapares à morte!
    - Meu caro amigo Críton - respondeu o condenado - que mau filósofo és tu! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim...
    E, puxando com os dedos a pele da mão, Sócrates perguntou:
    - Críton, achas que isto aqui é Sócrates?
    E, batendo com o punho no osso do crânio, acrescentou:
    - Achas que isto aqui é Sócrates? Pois é isto que eles vão matar. Este invólucro material. Mas não a mim. Eu sou minha alma! Ninguém pode matar Sócrates! 
    E ficou sentado na cadeia aberta, enquanto Críton se retirava, chorando, sem compreender o comportamento do mestre.
    No dia seguinte, quando o sentenciado já bebera o veneno mortal e seu corpo ia perdendo aos poucos a sensibilidade, Críton perguntou-lhe, entre soluços:
    - Sócrates, onde queres que te enterremos?
    Ao que o filósofo, semiconsciente, murmurou:
    - Já te disse, amigo, ninguém pode enterrar Sócrates! Quanto a este invólucro, enterrai-o onde quiseres. Não sou eu. Eu sou minha alma.

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