8 de dez. de 2010


CAROS AMIGOS

Esse é também o nome da revistinha, chapa branca total, impressa à custa do BNB e da Caixa Econômica, únicos anunciantes da última edição.
Nela poucos se salvam, eis que se encontra empestada, em grande parte de suas matérias, por aquele esquerdismo superado, sectário, às vezes truculento, intolerante e arbitrário, típico do alinhamento automático encontrado nas viúvas de um socialismo falido e nos pregoeiros agourentos da hecatombe final.
Como nunca, é possível enxergar na Caros Amigos aqueles que antes da queda do muro só tiravam férias no circuito Elizabeth Arden, de Nova York, Paris, Madrid, Los Angeles, Londres, Roma, as mecas do capitalismo de que falam tão mal. São os "cumpanheiros" que nas suas férias agora vão a Praga e Budapeste, mas naquele tempo faziam de conta que elas não existiam e passavam ao largo desse negócio de socialismo, porque ninguém é de ferro...
Enchem a boca de Democracia quando tudo com que sonham é aquela do partido único. O povo, pobre do povo, por ele tudo se justifica. É pelo povo que vale roubar, às vezes até matar (fala, Celso Daniel!), mentir, trapacear, enganar e fazer os outros de besta.
 A ética deles é uma ética diferente, voltada invariavelmente para o suposto bem do povo, onde os fins - sempre segundo eles - justificam os meios. Nada a ver com a boa e velha ética que nós aprendemos. Essa, hoje certamente é considerada por eles como pequeno burguês, fora de moda...
Como diz o outro, "ah povo, quantos crimes se cometem em teu nome!"
Discordar deles, nem pensar! Dentro da velha ótica stalinista, quem discorda é policial infiltrado, inocente útil ou defende interesses escusos. Direitista, enfim.
Voltando à revista Caros Amigos, a primeira edição após as eleições surpreendeu muita gente. Ela traz um artigo do jornalista José Arbex Jr que se pode classificar como insólito, pra dizer o mínimo.
Nele,  o articulista solta o verbo e faz uma análise das eleições e do Lulismo com uma franqueza, uma lucidez e uma competência arrasadoras.
De tudo que tenho lido no carnaval do último pleito nada me chamou tanta atenção, por conta da clareza, capacidade de síntese e coragem de dar nomes aos bois.
Não faço ideia do que pode ter ocorrido com o José Arbex nem imagino quais sejam suas reais intenções.
Nunca vi demonstração tão clara do famoso "fogo amigo"...
Taí, pra vocês se fartarem.
(a)    Valdir






Derrotar Dilma nas ruas
19/11/2010
Por José Arbex Jr.

Exatamente como aconteceu no dia 3 de outubro, 36 milhões de eleitores (número equivalente 27% do universo de 136 milhões de brasileiros qualificados para votar) preferiram não depositar o seu voto em qualquer candidato à Presidência. Esse é, de longe, o dado mais significativo do segundo turno das eleições: 4,7 milhões anularam o voto, 2,5 milhões votaram em branco e 29 milhões se abstiveram. Dilma Rousseff foi eleita, portanto, com apenas 41% do total de votos possíveis, ao passo que José Serra obteve 32% (isto é, ficou míseros 5 pontos percentuais acima dos votos não válidos e das abstenções).

Para um país onde o voto é obrigatório, os resultados revelam, no mínimo, que boa parte da população não deposita qualquer confiança ou entusiasmo nos dois candidatos. Os votos em Dilma tampouco demonstram uma suposta força da “esquerda” ou sequer o desejo de “derrotar a direita”, como alardeiam supostas lideranças da mais suposta ainda “esquerda”, já que boa parte dos votos foi carreada pela máquina coronelista do PMDB, com a preciosa ajuda de tradicionais esquerdistas do quilate de José Sarney e Michel Temer, e outra parte, ainda, foi depositada pelo subproletariado cooptado pela distribuição das migalhas oriundas do assistencialismo estatal.

Os votos em Dilma não refletem sequer o apoio do Partido dos Trabalhadores à sua candidatura. Dilma foi a “candidata do Lula”, não do PT, à Presidência do país. Ela filiou-se ao PT apenas em 2001, não tem base partidária, e foi guindada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva à chefia da Casa Civil após a queda de José Dirceu, em 2005, em detrimento da opção por petistas “históricos”. Da mesma forma, Lula acertou “pelo alto” um acordo com o PMDB, assegurando-lhe o cargo de vice de Dilma (Michel Temer) e o apoio do PT à candidatura aos governos do Maranhão (Roseana Sarney) e Minas Gerais (Hélio Costa).

Os conflitos provocados no PT por essas medidas foram públicos, assim como as defecções que o partido sofreu a partir de 2003, incluindo a de petistas “emblemáticos” como Heloísa Helena, Marina Silva e Ivan Valente, entre outros. A capacidade de Lula impor a sua vontade ao PT decorre de uma combinação de múltiplos fatores: alianças internas entre grupos que formam a “máquina” do partido, controladas diretamente por ele; uma política de cooptação de militantes guindados a cargos públicos bem remunerados, e o mais importante: o fortalecimento do “lulismo” descolado do PT.

O “lulismo” - do qual Dilma tornou-se imagem refratada - é, provavelmente o fenômeno politico e social mais importante e nefasto do cenário conjuntural brasileiro contemporâneo.  Começou a adquirir uma forma nítida e concreta a partir de 1996,  quando Lula, antes identificado com as grandes greves do ABC, passou a se apresentar como “Lulinha paz e amor” e a cortejar o voto do subproletaridado - constituído por trabalhadores informais sem carteira assinada, dispostos a aceitar salários miseráveis e condições indignas de trabalho - com um discurso assistencialista (centrado no programa Fome Zero), ao mesmo tempo em que acenava para os banqueiros a disposição de aceitar as regras do jogo financeiro, compromisso consagrado pela “Carta aos Brasileiros”, em 2002.  

Em sua primeira gestão,  Lula criou uma série de programas sociais destinados a atrair o subproletariado.  No final de 2003, lançou o Programa Bolsa Família (PBF), que hoje atende a 12 milhões de lares.  Entre os milhões daqueles que votaram em Lula pela primeira vez em 2006, e os que elegeram Dilma agora, a maioria era composta por nordestinos de renda baixa, o público alvo por excelência do PBF.  Combinado com o PBF, Lula manteve o controle da inflação, garantiu um aumento menor do preço da cesta básica nas regiões mais pobres, assegurou um ganho real de 25% no salário mínimo, criou o “crédito consignado” e outras medidas destinadas a expandir o financiamento popular.  Além disso, lançou uma série de programas que beneficiaram setores tradicionalmente marginalizados, corno o Luz para Todos (de eletrificação rural).  

Se a “distribuição real de renda” é cantada em verso e prosa pela “esquerda” lulista como “prova” de que seu governo tem “um lado progressista”, a contrapartida do fato de que Lula passou a governar com o apoio direto do capital financeiro, cujos lucros,  sem precedentes na história do país somam dezenas de vezes o total dos investimentos em programas sociais. A contrapartida é o apaziguamento de uma ampla camada conservadora da classe média que quer a “ordem” e a estabilidade, e o amor do subproletariado, que vê no presidente igual que chegou lá e está ajeitando as coisas para os mais pobres. Seu governo incorporou plenamente a noção conservadora que dispensa a organização da classe trabalhadora, pois um Messias conduz as reformas, 

Mas, para fazer isso, Lula teve que “congelar” - principalmente, por melo da cooptação - os movimentos sociais, as principais lideranças sindicais do país e “rifar” o seu próprio partido, o PT, que hoje existe apenas como sombra do poder pessoal de um presidente que se coloca acima de todos os partidos.  O “lulismo” significou, portanto,  o abandono das perspectivas de esquerda que estiveram na base da fundação do PT as quais pressupunham uma elevação da consciência de classe por melo da luta politica.  Houve, ao contrário, um rebaixamento da consciência - Por essa razão é que o escândalo do “mensalão”, em 2005, não impediu a reeleição de Lula: ele tinha o apoio de uma camada da sociedade que não lê jornais e que não se sentiu afetada. Por esse mesmo motivo, não teve repercussões mais desastrosas as revelações, ás vésperas do primeiro turno de 2010, das maracutaias envolvendo Erenice Guerra, amiga íntima de Dilma e sua substituta na Casa Civil.  

O governo Dilma - o Lula do mundo bizarro - será, necessariamente, muito pior e mais caótico. Lula, ao menos, tem brilho próprio, controla a máquina petista e coloca-se acima da disputa entre as várias facções dos grupos burgueses (negocia, costura acordos e concilia com todos eles e ainda faz a ponte com os senhores do Império).  Dilma Roussef não é nada disso.  Ela deve sua eleição a Lula, sem ter o seu carisma nem base organizada para sustentar o seu governo.  Começa como refém do PMDB no Congresso e comprometida até o pescoço com um programa de governo que significa a manutenção da total subordinação ao capital financeiro.  

A única perspectiva real que sobra à esquerda brasileira é romper com a paralisia que a marcou durante os oitos anos de Lula e passar a oposição ativa, mais ou menos como propunha a fórmula lançada pelo comité central do PCB, logo após o primeiro turno: “Derrotar Serra nas umas e depois Dilma nas ruas.” A primeira parte já se cumpriu.

José Arbex Jr. é jornalista
Novembro 2010 – caros amigos 5