10 de mar. de 2011


O ovo ou a galinha?
autor desconhecido
O brasileiro parece possuir um talento especial para escolher seus ídolos, e isso se revela de forma bizarra no cinema. Por isso, creio que seja oportuno, ainda que tardio, tributarmos uma singela homenagem aos diretores, roteiristas e cineastas do nosso país.
Veja se não é justo? Recentemente as telonas nos apresentaram Agenor de Miranda Araújo Neto, um homem de valores indefectíveis que construiu sua vida a partir de bons costumes, da sua cultura elevada e de músicas com letras tocantes. Nunca ouviu falar? É o Cazuza. Uma pessoa que jamais experimentou a devassidão, nunca participou de bacanais nem orgias, cultivou relacionamentos afetivos e sociais dignos de imitação, jamais acendeu uma Canabbis e nem mesmo se deixou seduzir por cocaína, álcool ou qualquer desses recursos alternativos. Um homem criado sob disciplina e amor dos pais, sempre presentes, que lhe transmitiram sabedoria e experiência de vida suficientes e capazes de fazê-lo chegar tão longe – Onde foi mesmo que ele chegou? – Cazuza chegou tão longe porque seus pais souberam lhe dizer NÃO e foram seus amigos – amigos até demais.
Cazuza era um traficante (palavras da própria mãe). Ele trouxe drogas da Inglaterra. Mas qual o problema? Isso não chega a manchar a sua reputação. Cazuza foi perseguido. Veja só, até o juiz Siro Darlan disse que a única diferença entre Cazuza e um bandido do Comando Vermelho é que um nasceu na zona sul e outro não. Coitado!
Sem dúvida, o filme Cazuza tributa homenagem justíssima a um cidadão de bem. Parabéns a Sandra Werneck e Walter Carvalho pelo belo trabalho que tem influenciado positivamente nossa juventude, que conta com tão poucas referências.
Outra bela contribuição para nossa classe juvenil é o filme que retrata a vida e a obra da senhora Raquel Pacheco. Não conhece? Permita-me apresentá-la: Bruna Surfistinha, ex-garota de programa, que acabou largando a profissão depois de ter feito sucesso com suas histórias. Em 2006 ela lançou o livro “O Doce Veneno do Escorpião“, onde podemos ler narrativas edificantes. Para conhecê-la um pouquinho, leia a edição 2156 da ISTOÉ (9-mar-2011).
Sem dúvida, a promoção da Raquel Pacheco ao status de estrela, na pele de Débora Secco, estimulará muitas meninas sonhadoras a se aventurarem no mundo maravilhoso e gratificante do sexo por dinheiro. Quem sabe um dia a sorte acene para algumas outras? Esse filme por certo valorizará a profissão mais antiga do mundo, que em breve será regulada, outorgando aos seus usuários o direito de reclamarem no PROCON eventuais serviços mal prestados. Grande avanço, não temos dúvida. Parabéns ao senhor Marcus Baldini. Esse drama cinematográfico certamente lhe renderá bastantes dividendos, mas a contribuição ao nosso país na conta de bons valores é incalculável.
Para não ficar só nesses, lembro do Ronald Biggs, o lendário ladrão que assaltou um trem pagador na Inglaterra em 1963. Até hoje estão batalhando (lá na América) para fazerem um filme sobre ele – Acho que não vai dar... Interessante que essa raridade acolheu-se no Brasil por muitos anos e, quando resolveram extraditá-lo, foi defendido pelo advogado Sepúlveda Pertence, que anos mais tarde se tornaria ministro do Supremo Tribunal Federal. O Brasil é demais! Poderíamos citar outros exemplos de sucesso, mas esses bastam.
Quero, sem demora, aproveitar o ensejo para sugerir a algum diretor de peso que tribute distinta homenagem também ao senhor Luís Fernando da Costa.
Esse moço agora está morando em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Em virtude da sua fama, a sua chegada lá foi sob forte aparato policial. Ele foi trazido em uma aeronave da Força Aérea Brasileira e desembarcou na cidade sob flashes e microfones. A escolta, por ar, foi feita por 20 agentes federais, todos fortemente armados. A ida desse distinto cidadão, considerado o criminoso mais perigoso do Brasil (Que injustiça!), para Mossoró, vinha sendo especulada desde o ano passado.
Dizem que ele manda matar, vende drogas e fatura 1,5 milhão de reais por mês mesmo de dentro de um presídio federal “de segurança máxima”. Não é um verdadeiro talento? Uma inspiração...
Para quem não o conhece, trata-se do Fernandinho Beira-Mar. Ele mesmo. Inteligente, influente, persistente, não desiste com facilidade de seus objetivos. A lista de suas qualidades é interminável. É calmo, centrado, habilidoso e corajoso. Não é qualquer um que mesmo preso ainda comanda o tráfico, mata, sequestra e controla territórios de dentro de sua cela. É uma sumidade! Alguns adolescentes, quando são perguntados “o que quer ser quando crescer”, respondem logo: Quero ser como ele.
Além de tudo, o Luiz Fernando deve ter poderes extrassensoriais. Veja, ele não tem celular nem controla tudo por recados. Preso em um presídio “de segurança máxima”, ele consegue se comunicar com o exterior, dispõe de mordomia de dar inveja a qualquer um e, apesar dos feitos que o fizeram merecer 120 anos de cadeia por homicídio, tráfico de drogas e de armas, ainda mantém o elã.
Alô diretores de cinema: Por certo, o amigo Luiz Fernando da Costa é um gênio com poderes sobrenaturais. A história de sua vida certamente influenciará muitas cabecinhas em formação. Que exemplo maravilhoso, ainda mais notório que o Agenor e a Raquel juntos. Se fizerem um filme sobre ele, vai vender mais bilhetes do que Harry Potter, pode acreditar!
Deixando apenas por um minuto a ironia de lado, quero enfatizar que o Agenor, a Raquel, o Luiz Fernando e o Biggs são de carne e osso como qualquer um. São apenas pessoas. A questão é: Qual é o verdadeiro motivo de terem transformado esses personagens da vida em ídolos (com exceção do Biggs)?
Realmente, filmes sobre homens e mulheres honestos, trabalhadores, que suaram a camisa estudando em escolas públicas e venceram na vida, não vendem. Dramas, ou mesmo reles documentários, sobre doutores que viram a noite perseguindo a cura de doenças violentíssimas como o câncer não dão lucro. 
Filmes são produtos numa prateleira, como outros quaisquer. Se não tem quem compre, não viram realidade. Ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria.
Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Quem é o responsável pela sociedade optar por esses heróis como referências? Seria a mídia? Ou são os valores da sociedade que determinam os temas da mídia? Quem influencia quem?
Vamos ver: acabamos de eleger para deputado federal um cidadão semi-analfabeto, que fazia gracinhas na televisão com uma peruca esquisita. Até aí tudo bem. Somos uma democracia. O problema é que Sua Excelência em breve assumirá, como titular, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Com isso, podemos ter certeza de que virão dias melhores.

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