General que escreveu manifesto não teme ser punido por Amorim
9 de março de 2012
Marco Antonio Felicio diz que lei garante a militares da reserva o direito de se expressar.
SÃO PAULO – Autor do
manifesto que inflamou a relação entre militares, Ministério da Defesa e a
presidente Dilma Rousseff, o general Marco Antonio Felicio diz não temer ser
punido pelo que escreveu, por entender que não há base legal para tal. Ele
evoca lei aprovada pelo ex-presidente José Sarney que garantiria aos militares
da reserva o direito de se expressar sem que fossem punidos.
Ex-analista do
Centro de Informações do Exército (CIE), Felicio receia que agentes do Estado
sejam execrados pela Comissão da Verdade e ainda duvida ter havido tortura ou
execução de presos políticos, apesar de admitir ter havido excessos “em ambos
os lados combatentes” na guerra contra atos da “subversão marxista-leninista”.
Ele aceitou dar entrevista ao GLOBO desde que ela fosse por e-mail. Perguntou
ao repórter se ele era patriota. Ao ser questionado se
respeitava a autoridade do ministro da Defesa Celso Amorim e da presidente
Dilma, respondeu: “Tanto quanto eles respeitam a minha”.
O GLOBO: A presidente Dilma Rousseff ameaçou prender pelo menos um militar
da reserva como reação ao manifesto com críticas ao ministro Celso Amorim e à
Comissão da Verdade. Como autor do documento redigido, o senhor temeu que fosse
o senhor?
GENERAL MARCO FELICIO: Não temi e não
temo, pois, usei do direito que a lei me faculta. A liberdade de expressão com
responsabilidade. A verdade e somente a verdade.
O GLOBO: O senhor já foi informado oficialmente sobre alguma punição ao
senhor ou a colega militar em função do manifesto?
GEN FELICIO: Não, pois, creio
firmemente que não haja base legal para tal.
O GLOBO: O manifesto menciona o ministro Celso Amorim como alguém sem
autoridade ou legitimidade para pedir a retirada de outra nota do site do Clube
Militar, com críticas a Dilma e duas ministras. O que o senhor quis dizer com
isso?
GEN FELICIO: Reafirmo o que
escrevi. O Clube Militar é uma associação de caráter civil e pela lei em vigor
não é passível de qualquer tipo de ingerência por parte do Ministro da Defesa.
Isto significa não ter ele autoridade ou legitimidade para tal. Qualquer um que
leu o documento compreenderá o sentido do que lá está escrito.
O GLOBO: No texto, há a seguinte frase: “O manifesto supracitado reconhece
na aprovação da “Comissão da Verdade” ato inconsequente de revanchismo
explícito e de afronta à lei da Anistia com o beneplácito, inaceitável, do
atual governo”. A Comissão da Verdade não tem poder de punir judicialmente
qualquer militar. Por qual motivo, então, os senhores a consideram uma afronta
à Lei da Anistia?
GEN FELICIO: Não é esta a
motivação expressa quase que diariamente por pessoas do governo e a ele
ligadas. Querem a partir da Comissão da Verdade encontrar caminhos para a
punição dos agentes de Estado. E o que fazer com os agentes da subversão
marxista que mataram, roubaram, assaltaram, sequestraram e justiçaram os
próprios companheiros além de lutarem pela implantação de uma ditadura comunista
no Brasil? Porque execrar somente os agentes de Estado que exerciam ações
legais?
O GLOBO: Hoje o governo federal reconhece casos em que presos políticos
foram submetidos a tortura por agentes de Estado. Alguns deles estão até hoje
desaparecidos e provavelmente foram mortos. O senhor considera estes episódios
específicos como “ações legais”?
GEN FELICIO: Quem comprova tais
denúncias? Mário Lago já orientava, em seu tempo, que todos os presos saíssem
da prisão afirmando que tinham sido torturados barbaramente, mesmo que tivessem
sido bem tratados. De quando em quando aparece um “desaparecido”. Logicamente
que uma guerra não se faz com flores e em ambos os lados combatentes há sempre
excessos. Por qual razão, aqui, apurar-se tais ditos excessos somente cometidos
por um lado? Não tenho conhecimento de torturas. Tenho conhecimento de
operações de combate, cumprindo-se ordens superiores e dentro da lei então
vigente.
O GLOBO: O senhor pede que sejam apurados excessos cometidos por
combatentes. Mas não foi justamente isso que ocorreu durante o governo militar,
quando militantes de esquerda foram presos e condenados à prisão?
GEN FELICIO: E quantos outros
não o foram? Qual a razão de não serem apurados os fatos correlacionados com
estes?
O GLOBO: Os excessos cometidos por agentes de Estado tiveram como
consequência o desaparecimento e provável morte de presos políticos. Não seria
razoável que hoje representantes das Forças Armadas ajudassem o governo federal
a encontrar esses corpos? Mesmo nas guerras, não é direito de um povo enterrar
seus mortos?
GEN FELICIO: Sem dúvida, todos
querem enterrar seus mortos. Muitos anos se passaram, o que torna a tarefa
muito difícil. Já foram realizadas buscas orientadas pelo Ministério da Defesa,
inclusive com o auxilio de militares, e nada foi encontrado.
O GLOBO: Para o ministro Celso Amorim, os signatários do documento não
respeitam a “autoridade civil”. O senhor concorda com o que disse o ministro?
GEN FELICIO: Gostaria de saber
de que argumentos concretos o ministro se vale para tal afirmação. Ele deve
saber que o autor, e não autores dos documentos, é profissional com mais de 45
anos de bons serviços prestados à nação, tendo frequentado todos os cursos do exército
e alguns civis, conforme atesta a sua folha de alterações onde estão os
depoimentos de seus ex-comandantes e as ações que desempenhou no combate aos
atos violentos da subversão marxista-leninista.
O GLOBO: O senhor poderia detalhar exatamente que ações desempenhou? Por
quais órgãos o senhor passou, qual era a sua função neles e quais são os feitos
que, ainda hoje, são motivo de orgulho para o senhor?
GEN FELICIO: Fui oficial de
informações de unidade e trabalhei como analista do Centro de Informações do
Exército (CIE). Orgulho-me de ter contribuído com o meu trabalho, que julgo
dedicado e eficiente, na erradicação da subversão marxista-leninista e das
violentas ações da guerrilha urbana e rural, causadoras de ações terroristas e
das mortes de tantos inocentes, evitando que o povo brasileiro fosse privado de
sua liberdade.
O GLOBO: Como militar da reserva, o senhor respeita a autoridade do
ministro da defesa Celso Amorim e da presidente Dilma Rousseff?
GEN FELICIO: Tanto quanto eles
respeitam a minha. Na vida militar o respeito é recíproco.
O GLOBO: Não há militares da ativa entre os signatários do documento. Eles
temem sofrer algum tipo de punição caso assinem o documento?
GEN FELICIO: Não, eles cumprem
apenas a lei, como é da formação dos mesmos. Os militares da reserva e
reformados tem livre manifestação de suas opiniões, incluso as de caráter
político. Isso não ocorre com os oficiais da ativa.
O GLOBO: O senhor acredita que, se pudessem, os militares da ativa
assinariam o documento?
GEN FELICIO: Creio que sim,
pois, o exército de hoje, quanto aos seus valores, não é diferente do exército
de ontem.
O GLOBO: Quais são os valores do exército de ontem que permanecem no
exército de hoje?
GEN FELÍCIO: As manifestações
essenciais dos valores militares são: patriotismo, civismo, fé na missão do
exército, amor à profissão, espírito de corpo e o aprimoramento
técnico-profissional. Por tal razão estamos coesos e unidos para acorrermos a
qualquer chamamento da nação. E isto está presente na história pátria em todos
os momentos de gravidade e de inflexão da mesma. Não será diferente no presente
e no futuro.
O GLOBO: O que o governo deveria ter feito para evitar este desentendimento
com os militares da reserva?
GEN FELÍCIO: Não governar pelo
retrovisor, respeitar a dignidade dos militares e dar o devido valor às suas
Forças Armadas.
O GLOBO: Na nossa conversa pelo telefone, o senhor me perguntou se eu era
um jornalista patriota. Para o senhor, o que é ser patriota?
GEN FELÍCIO: Há coisas na vida
que foram feitas mais para serem mais sentidas do que explicadas ou entendidas.
Assim também é ser patriota. Ë um sentimento de amor e orgulho pela nossa
pátria. É servir e defender o nosso povo, o nosso território, mesmo que se
tivermos de dar a nossa vida para isso.
Imagem inserida pelo Blog
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