DOM SEBASTIÃO
VOLTOU
MARCO ANTONIO
VILLA
O
Estado de S.Paulo - 16/06
Luiz
Inácio Lula da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou
político. O importante, para ele, é obter algum tipo de
vantagem.
Construiu a sua carreira sindical e política dessa forma. E, pior, deu
certo.
Claro
que isso só foi possível porque o Brasil não teve - e não tem - uma cultura
política democrática.
Somente
quem não conhece a carreira do ex-presidente pode ter ficado surpreso com suas
últimas ações. Ele é, ao longo dos últimos 40 anos, useiro e vezeiro destas
formas, vamos dizer, pouco republicanas de fazer política.
Quando
apareceu para a vida sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas
operárias do ABC. Nos discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de
que tudo tinha começado com ele.
Antes
dele, nada havia.
E,
se algo existiu, não teve importância. Ignorou (e humilhou) a memória dos
operários que corajosamente enfrentaram - só para ficar na Primeira República -
os patrões e a violência arbitrária do Estado em 1905, 1906, 1917 e 1919, entre
tantas greves, e que tiveram muitos dos seus líderes deportados do
País.
No
campo propriamente da política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo, comunista,
prefeito de Santo André, foi irrelevante. Isso porque teria sido Lula o primeiro
dirigente autêntico dos trabalhadores e o seu partido também seria o que
genuinamente representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor.
Transformou
a si próprio - com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram a
construção e divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do
Brasil. A nossa história passaria a ser datada tendo como ponto inicial
sua posse no sindicato. 1975 seria o ano 1.
Durante
décadas isso foi propagado nas universidades, nos debates políticos, na
imprensa, e a repetição acabou dando graus de verossimilhança às
falácias.
Tudo nele era perfeito. Lula via o que nós não víamos, pensava muito à frente do
que qualquer cidadão e tinha a solução para os problemas nacionais - graças não
à reflexão, ao estudo exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à
sua história de vida.
Num
país marcado pelo sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a sua
mais perfeita criação.
Um dos seus "apóstolos", Frei Betto, chegou a escrever, em 2002, uma pequena
biografia de Lula. No prólogo, fez uma homenagem à mãe do futuro presidente.
Concluiu dizendo que - vejam a semelhança com a Ave Maria - "o Brasil
merece este fruto de seu ventre: Luiz Inácio Lula da Silva". Era um bendito
fruto, era o Messias! E ele adorou desempenhar durante décadas esse
papel.
Como
um sebastianista, sempre desprezou a política. Se ele era o salvador, para que
política?
Seus
áulicos - quase todos egressos de pequenos e politicamente inexpressivos
grupos de esquerda -, diversamente dele, eram politizados e aproveitaram a
carona histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos
populares era Lula. Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas
desconexas, suas alianças e escolhas políticas. Os mais altivos, para o padrão
dos seus seguidores, no máximo ruminaram baixinho suas críticas. E a vida foi
seguindo.
Ele
cresceu de importância não pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas
pela decadência da política e do debate.
Se
aplica a ele o que Euclides da Cunha escreveu sobre Floriano Peixoto: "Subiu,
sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma depressão profunda.
Destacou-se à frente de um país sem avançar - porque era o Brasil quem recuava,
abandonando o traçado superior das suas tradições...".
Levou
para o seu governo os mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda usados
durante um quarto de século.
Assim como no sindicalismo e na política partidária, também o seu governo seria
o marco inicial de um novo momento da nossa história. E, por incrível que
possa parecer, deu certo. Claro que desta vez contando
com a preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem ideias e sem disposição
de luta, deixou o campo aberto para o
fanfarrão.
Sabedor
do seu poder desqualificou todo o passado recente, considerado pelo salvador,
claro, como impuro. Pouco ou nada fez de original. Retrabalhou o passado,
negando-o somente no discurso.
Sonhou
em permanecer no poder. Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria
alto e ele nunca foi de enfrentar uma disputa acirrada. Buscou um caminho mais
fácil. Um terceiro mandato oculto, típica criação
macunaímica.
Dessa
forma teria as mãos livres e longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina
administrativa, que estaria atribuída a sua disciplinada discípula. É um tipo de
presidência dual, um "milagre" do salvador. Assim, ele poderia dispor de todo o
seu tempo para fazer política do seu jeito, sempre usando a primeira pessoa do
singular, como manda a tradição sebastianista.
Coagir
ministros da Suprema Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a
legislação eleitoral, tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo, é
"troco de pinga".
Ele
continua achando que tudo pode.
E vai seguir avançando e pisando na Constituição - que ele e seus
companheiros do PT, é bom lembrar, votaram contra.
E
o delírio sebastianista segue crescendo, alimentado pelos salamaleques do grande
capital (de olho sempre nos generosos empréstimos do BNDES), pelos títulos de
doutor honoris causa (?) e, agora, até por um museu a ser construído na
cracolândia paulistana louvando seus feitos.
E
Ele (logo teremos de nos referir a Lula dessa forma) já disse que não admite que
a oposição chegue ao poder em 2014. Falou que não vai deixar. Como se o Brasil
fosse um brinquedo em suas mãos.
Mas
não será?
Imagem inserida pelo Blog.
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