Janer
Cristaldo
11.05.2012
Leitores querem saber
por que não escrevo sobre as grandes corrupções nacionais. Ora, isto está na
primeira página de todos os jornais. A crônica é tão vasta que já existem
extensas compilações on line, para orientar o leitor no organograma da
corrupção. Prefiro falar sobre o que os jornais não trazem. Por exemplo, o Chico
Buarque sendo traduzido na Coréia às custas do contribuinte. Não sei se o leitor
notou, mas a dita grande imprensa não disse um pio sobre isto. O que sabemos vem
da blogosfera.
Prefiro falar de
corrupções mais sutis, quase imperceptíveis, mas corrupções. A imprensa denuncia
com entusiasmo a corrupção no congresso, na política, nos tribunais. Não diz uma
palavrinha sobre a corrupção no santo dos santos, a universidade. Corrupção esta
mais difícil de ser detectada, já que em geral foi legalizada. Mordomias para
encontros literários internacionais inúteis, concursos com cartas marcadas,
endogamia universitária, tudo isto se tornou rotina no mundo acadêmico e não é
visto como corrupção.
JORGE AMADO |
Tampouco se fala
sobre a corrupção no mundo literário, que há muito se prostituiu. Jorge Amado,
que passou boa parte de sua vida escrevendo a soldo de Moscou, está sendo
homenageado nestes dias no país todo. Devo ter sido o único jornalista que o
denuncia – e isto há décadas – como a prostituta-mor das letras tupiniquins.
Corrupção só existe
quando em uma ponta está o Estado. Se o dono de meu boteco me cobra 50 reais por
uma cerveja e eu pago com meu dinheiro, pode ter ocorrido um abuso, mas jamais
corrupção. O dinheiro é meu e a ele dou a destinação que quiser, por estúpida
que seja. Mas se um fornecedor de cervejas as vende por 50 reais ao governo,
está caracterizada a corrupção. Porque governo não tem dinheiro. Governo paga
com os meus, os teus, os nossos impostos. E obviamente alguém do governo vai
levar algo nessa negociata.
Escritores, esses
curiosos profissionais que querem transformar suas inefáveis dores-de-cotovelo
em fonte de renda, adoram subsídios do Estado. Não falta quem pretenda a
regulamentação da profissão. O que não seria de espantar, neste país onde até a
profissão de benzedeira acaba de ser reconhecida no Paraná. (Voltarei ao
assunto).
Em 2002, Mário Prata,
medíocre cronista do Estadão, pedia a Fernando Henrique Cardoso o reconhecimento
da profissão de escritor: "O que eu quero, meu presidente, é que antes de o
senhor deixar o governo, me reconheça como escritor". Claro que não era apenas a
oficialização de uma profissão que estava em jogo. Mas o financiamento público
da guilda. Cabe observar como o cronista, subserviente, se habilita ao
privilégio: “meu presidente”.
Esquecendo que existe
um Congresso neste país, o cronista pedia ao presidente a elaboração de uma lei.
Mais ainda. Citava a Inglaterra como exemplo de país onde o escritor é
reconhecido. Lá, segundo o cronista, toda editora que publicar um livro, tinha
que mandar um exemplar para cada biblioteca pública do país. "Claro que os 40
mil exemplares são comprados pelo governo. Quem ganha? Em primeiro lugar o
público. Ganha a editora, ganha o escritor. Ganha o País. Ganha a
profissão".
E quem perde? - seria
de perguntar-se. A resposta é simples: como o governo não paga de seu bolso
coisa alguma, perde o contribuinte, que com os impostos tem de sustentar autores
até mesmo sem público. É o que chamo de indústria textil. Textil assim mesmo,
sem acento: a indústria do texto. É uma indústria divina: você pode não ter nem
um mísero leitor e vender 40 mil exemplares. O personagem mais venal que conheço
é o escritor profissional. Ele segue os baixos instintos de sua clientela. O
público quer medo? Ele oferece medo. O público quer lágrimas? Ele vende
lágrimas. O público quer auto-ajuda? Ele a fornece. É preciso salvar o famoso
leite das criancinhas.
No fundo, saudades da
finada União Soviética, onde os escritores eram pagos pelo Estado comunista para
louvar o Estado comunista. Seguidamente comento – e creio ser o único a comentar
– o livro A Sombra do Kremlin, relato de viagem do jornalista gaúcho Orlando
Loureiro, que viajou a Moscou em 1952, mais ou menos na mesma época que outro
jornalista gaúcho, Josué Guimarães. Enquanto Josué, comunista de carteirinha, vê
o paraíso na União Soviética em As Muralhas de Jericó, Loureiro vê uma rígida
ditadura, que assume o controle de todo pensamento. Comentando a literatura na
então gloriosa e triunfante URSS, escreve Loureiro:
A União dos
Escritores funciona como um Vaticano para a moderna literatura soviética. O
julgamento das obras a serem lançadas obedece a um critério estreito e sectário
de crítica literária. Esta função é exercida por um conselho reunido em
assembléia, que discute os novos livros e sobre eles firma a opinião oficial da
sociedade. A exegese não se restringe aos aspectos literários ou artísticos da
obra julgada, senão que abrange com particular severidade seu conteúdo
filosófico, que deve estar em harmonia absoluta com os conceitos de “realidade
socialista” e guardar absoluta fidelidade aos princípios ideológicos da doutrina
marxista. Se o livro apresentar méritos dentro do ponto de vista dessa moral
convencionada, se resistir a esse teste de eliminatória, então passará por um
rigoroso trabalho de equipe dentro dos órgãos técnicos da União, podendo vir a
tornar-se num legítimo best-seller, com tiragens astronômicas de 2 a 3 milhões
de exemplares. E o seu modesto e obscuro autor poderá ser um nouveau riche da
literatura e será festejado e exaltado e terminará ganhando o cobiçado prêmio
Stalin...
Foi o que aconteceu
com a prostituta-mor das letras brasileiras. Em 1950, o ex-nazista e militante
comunista Jorge Amado passou a residir no Castelo da União dos Escritores, em
Dobris, na ex-Tchecoslováquia, onde escreveu O Mundo da Paz, uma ode a Lênin,
Stalin e ao ditador albanês Envers Hodja. No ano seguinte, quando o livro foi
publicado, recebeu em Moscou o Prêmio Stalin Internacional da Paz, atribuído ao
conjunto de sua obra, condecoração geralmente omitida em suas biografias.
Não que hoje se peça
profissão de fé marxista ou louvores a Stalin. No Brasil, para ter sucesso, o
escritor hoje tem de aderir ao esquerdismo governamental. Não precisa louvar
abertamente o PT. Mas se tiver dito uma única palavrinha contra, não é convidado
nem para tertúlia nos salões literários de Não-me-toques. Você jamais ouvirá um
Luís Fernando Verissimo, Mário Prata, Inácio de Loyola Brandão ou Cristóvão
Tezza fazendo o mínimo reproche às corrupções do PT. Perderiam as recomendações
oficiais como leituras escolares e acadêmicas... e uma considerável fatia de
seus direitos de autor. O livro de Loureiro não mais existe, só pode ser
encontrado em sebos. Os de Josué continuam nas livrarias. Et pour cause...
Escritor financiado
pelo Estado é escritor que vendeu sua alma ao poder. É o que acontece quando
literatura vira profissão. Alguns se rendem aos baixos instintos do grande
público e fazem fortuna considerável. Uma minoria consegue exercer honestamente
a literatura e manter a cabeça acima da linha d'água.
Uma imensa maioria,
que não consegue ganhar a vida nem honesta nem desonestamente, apela à
cornucópia mais ao alcance de suas mãos, o bolso do contribuinte. É o caso de
Chico Buarque, o talentoso escritor cujo talento maior parece ser descolar
financiamento para sua “obra” junto ao contribuinte. Mas Chico está longe de ser
o único. Está cometendo algum crime? Nenhum, seus subsídios são perfeitamente
legais. Mas por que cargas eu ou você temos de pagar pelas traduções e viagens a
congressos internacionais de um escritor que se dá ao luxo de ter uma maison
secondaire às margens do Sena?
Ainda há pouco, eu
comentava o absurdo de o contribuinte financiar a tradução de Chico na Coréia.
Leio agora que o programa de bolsas de tradução da Biblioteca Nacional vai
apoiar mais autores best-sellers no Brasil. O Diário de um Mago, de Paulo
Coelho, será lançado na China pela editora Thinkingdom Media Group. Já As
Esganadas, de Jô Soares, estará nas livrarias francesas. Ora, Coelho tornou-se
milionário graças a suas obras de auto-ajuda, já traduzidas em quase 60 idiomas.
Jô, que deve ganhar salário milionário na televisão, tem seus livros entre os
mais vendidos, graças ao fator Rede Globo. Será que estes senhores precisam
enfiar a mão em nosso bolso para pagarem seus tradutores na China e na França?
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Imagens inseridas pelo Blog.
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