21 de Setembro de 2009. Eu e uma porção de jornalistas brasileiros estávamos 
em Nova Iorque para cobrir a Assembléia Geral da ONU, que seria aberta no dia 
seguinte. No fim da tarde, um diplomata que coordenava a cobertura da imprensa 
brasileira pelo Itamaraty nos convocou para uma entrevista coletiva que o então 
chanceler Celso Amorim concederia em poucos minutos. “É uma informação 
importante”, avisou o assessor.
Antes de chegar à sala de imprensa montada na suíte de um hotel, pensávamos 
que a convocação se referia a algo envolvendo a polêmica posição do presidente 
Lula, que naquele momento se empenhava em defender o direito do Irã ao uso da 
energia nuclear. Lula havia se transformado numa espécie de embaixador informal 
de Ahmadinejad, posição que manteve até o último de seus dias no governo, e que 
terminou por ensejar um dos maiores micos que o Brasil já havia protagonizado ao 
longo de sua nobre história diplomática: a tentativa de acabar com a crise no 
Oriente Médio com uma conversa de pé-de-ouvido, um sanduíche de mortadela e uma 
caipirinha.
Ao chegar ao hotel, Celso Amorim comunicou que Manuel Zelaya, deposto dias 
antes da presidência de Honduras, acabara de entrar na embaixada brasileira em 
Tegucigalpa. Havia sido acolhido de bom grado e permaneceria por ali o tempo que 
quisesse. Zelaya fora apeado do Poder porque tentou mudar a constituição para 
conseguir um novo mandato, uma manobra nos moldes do que Hugo Chavez já havia 
feito duas outras vezes na Venezuela.
Ocorre que a própria constituição hondurenha criminaliza esse tipo de 
iniciativa  para respaldar o pressuposto mais elementar de qualquer democracia: 
a definição do tempo do mandato. Além disso, Zelaya respondia a 18 processos em 
que era acusado de corrupção.
Encerrado o evento da ONU, a maior parte dos jornalistas que estavam em Nova 
Iorque tomou o rumo de Tegucigalpa. Cheguei lá três dias depois  do intróito do 
presidente deposto na embaixada brasileira. A capital estava convulsionada pela 
volta do degredado, que havia trocado a prisão por um exílio na vizinha Costa 
Rica e voltara pelas mãos de Chavez, numa operação coordenada pelo próprio Celso 
Amorim e pelo assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Tudo 
feito com consulta prévia e a bênção do governo Lula.
Nas ruas da capital, um grupo pequeno, de cerca de duas mil pessoas, promovia 
atos públicos que invariavelmente terminavam com bombas de efeito moral e tiros 
de bala de borracha disparados pelas tropas federais. Com o passar dos dias, os 
manifestantes pró-Zelaya foram minguando. Restaram cerca de 200 ao cabo de duas 
semanas — a maior parte composta por pelegos do sindicalismo local que, lá como 
aqui, o governo tratava de engordar com cargos, dinheiro e favores oficiais.
No dia 14 de outubro, Honduras parou, ficou em silêncio por duas horas e 
depois explodiu numa festa genuína. Milhares de pessoas foram para as ruas com 
suas camisetas azuis e brancas para cantar o hino nacional e reacender a chama 
do patriotismo num momento de catarse nacionalista. A festa foi provocada pela 
classificação da seleção de Honduras para o Copa do Mundo de Futebol do ano 
seguinte. Contrariando todas as previsões, o time havia conseguido derrotar El 
Salvador — e ainda contou com a ajuda da seleção da Costa Rica, que não 
conseguiu vencer os Estados Unidos e perdeu a vaga.
Estávamos hospedados num dos melhores hotéis de Honduras. Um telão foi 
montado num saguão para que os torcedores endinheirados de Tegucigalpa pudessem 
acompanhar a partida entre uma dose e outra de uísque. Nós, jornalistas 
estrangeiros, torcíamos desabridamente por Honduras. Quando a Costa Rica empatou 
com os EUA, aos 50 minutos do segundo tempo, pulamos e nos abraçamos, fizemos um 
brinde e comemoramos a classificação daquele pequeno país, que jamais havia 
disputado um mundial de futebol. “Somos mundialistas, somos mundialistas”, 
gritavam os hondurenhos com a autoestima lustrada.
Mas logo percebemos que nossa torcida provocava constrangimento aos 
torcedores locais. Nas mesas vizinhas, nossa alegria gerava olhares de 
reprovação. Inibia mesmo os torcedores locais. Até que um deles se levantou, 
caminhou até a nossa mesa e perguntou de onde éramos.
“A maior parte de nós é brasileira” respondi. “Então, por favor, respeitem o 
nosso momento e deixem que festejamos nós mesmo a nossa conquista”, disse o 
homem, de maneira rude e assertiva.
Logo o saguão estava vazio. Os hondurenhos se levantaram e saíram em silêncio 
levando suas bandeiras enroladas. O telão foi desligado. As luzes, apagadas. 
Contrastando com a festa que explodia nas ruas, o bar do hotel  se transformou 
numa caverna erma e soturna. Culpa nossa, exclusivamente nossa, que estávamos 
ali de penetras numa celebração para a qual não fôramos convidados.
Nos dias que se seguiram, as manifestações de hostilidade viraram rotina. O 
que mais ouvíamos na capital, sempre que abordávamos populares, eram pedidos 
agressivos para que deixássemos o país e voltássemos ao Brasil. E não foram 
poucas as vezes em que isso aconteceu. A hostilidade à nossa presença ia 
aumentando na mesma medida em que as declarações da diplomacia brasileira subiam 
de tom.
Havia boatos, muitos boatos dispersos no ar. Falava-se que o Brasil estaria 
enviando tropas para defender a soberania de sua embaixada, que aviões 
brasileiros foram vistos sobrevoando bases militares próximas à capital do país. 
O presidente Lula só se referia ao presidente recém-empossado pelo Congresso 
como “golpista”. Nem sei se chegou a mencionar alguma vez o nome de Roberto 
Micheletti. Era apenas “o golpista”. Aquilo foi irritando os brios da população 
de Honduras.
O Brasil não mandou aviões nem soldados, mas transformou a diplomacia num 
claro instrumento de intervenção na soberania hondurenha. Moveu batalhas enormes 
para tentar elevar o problema da pequena república centro-americana ao status de 
grande evento multilateral. Fracassou em todas as tentativas. A primeira delas 
representou o fracasso mais retumbante: a proposta de reunir o Conselho de 
Segurança da ONU para discutir uma intervenção mais drástica. A ONU deu uma 
banana a Celso Amorim.
Depois, no âmbito da OEA, houve resistências até à ida de uma comissão 
negociadora para mediar a discussão com os atores da crise. Mal-humorados, os 
representantes da OEA já sabiam que o povo de Honduras é que iria resolver seus 
problemas. Por isso não vingaram as propostas brasileiras de aplicar sanções 
comerciais e isolar diplomaticamente o país. Aos poucos, assim que conseguiram 
entender o que se passava, governos de todo o mundo — os Estados Unidos à frente 
— foram colocando água fria sobre a fogueira da crise. Só o Brasil insistiu no 
erro da posição intervencionista.
Mas o tempo seguiu seu curso saneador. E Zelaya, que não desistia do bunker 
armado na embaixada do Brasil, acabou se transformando num enorme problema. 
Quatro meses se passaram até que viesse  uma ordem de despejo para aquele 
inquilino incômodo e seu pequeno séquito. Em dezembro, o Itamaraty deu o 
ultimato, solicitando a Zelaya que desocupasse a sede diplomática. Foi cumprido 
no último dia, encerrando de maneira desastrosa a articulação intervencionista 
de Lula e Chavez para levar de volta ao coração de Tegucigalpa o homem que havia 
sido banido por abuso de suas prerrogativas constitucionais.
Enquanto Lula, Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim inventavam uma maneira de 
se livrar doimbroglio, o “golpista” Michelletti tratava de colocar a 
casa em ordem. Convocou eleições — às quais o partido de Zelaya concorreu — e 
restabeleceu a ordem pública. A democracia hondurenha deu uma prova inequívoca 
de maturidade. A institucionalidade seguiu incólume, em benefício da vontade 
legítima e soberana do povo daquele País.
Para nós, que de certa forma encarnávamos a presença indigesta do governo 
brasileiro diante da população humilhada e ultrajada de Honduras, restou a 
experiência amarga de vestir o estereótipo deletério do imperialismo caboclo. 
Sim, o Brasil, a potência emergente do Cone Sul, aposentava a isenção quase 
suíça da tradição diplomática e adotava uma postura arrogante e 
desrespeitosa.
A ponto de os populares nos hostilizarem nas poucas manifestações pró e 
contra Zelaya com o mesmo bordão, repetido sempre em inglês: “brazilians, go 
home!”. Éramos os yankees dos hondurenhos. E éramos mesmo. Por 
isso, a multidão inflava o peito pedindo que deixássemos, nós, brasileiros, seu 
território e seu desiderato. “Tirem suas patas do nosso destino”. Era isso o que 
eles nos diziam o tempo todo.
Agora, algo muito parecido se repete no Paraguai. O parceiro de primeiro 
hora, o País que sediou a primeira reunião do Mercosul, foi escanteado por uma 
jogada matreira do acordo regional porque resolveu, seguindo os ditames da 
constituição, demitir por justa causa um presidente incompetente e fraco. Como 
se viu, a indignação do vizinhos briosos foi apenas um pretexto. O que importa é 
que a esquerda sulamericana cravou mais um tento, afastando o sócio fundador do 
Mercosul para impor a presença plena da Venezuela no tratado.
Pagar um golpe com outro é moral ? É lícito ? É éticamente defensável ?
Não, não é. Mas no tabuleiro da política, o que conta mesmo é ocupar espaço e 
vencer sempre. É essa a lógica da retórica que condena a decisão do Congresso e 
do judiciário paraguaios, mas a utiliza como pretexto para enfiar Hugo Chavez 
goela abaixo a um sócio que, supostamente, afrontou a democracia. No plano 
moral, na pior hipótese, o golpe perpetrado contra Lugo só encontra paralelo no 
golpe perpetrado a favor de Chavez no âmbito do Mercosul.
Logo, logo vão aparecer nacionalistas nas ruas de Assunção bradando 
“brazilians, go home” — ou um bordão análogo em guarani ou espanhol. Pode até 
parecer folclórico em Tegucigalpa, mas com certeza não será sem consequências do 
lado de lá da fronteira, onde 350 mil brasileiros são hositilizados todos os 
dias como ladrões de terras paraguaias.
Apressada e determinadamente, vamos perdendo a candura conciliadora da 
diplomacia de Osvaldo Aranha para nos transformarmos no vizinho temido, atrevido 
e desrespeitoso — o País imperialista que, mais do que respeitado, é temido.
Três anos atrás, éramos os yankes de Honduras. Agora, somos os yankees do 
Paraguai.
Imagem inserida pelo Blog

 
 
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