Mensalão: a condenação de Dirceu,
inexoravelmente, incrimina
Lula
Manoel Pastana, Procurador da República no Rio Grande do Sul
09 de
Outubro de 2012 - 10:32
O que se discute aqui é o óbvio: se a teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula.
Desde o início do
julgamento do mensalão, percebe-se nítida divergência entre o relator, Joaquim
Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandwski. Contudo, na parte em que trata do
acusado José Dirceu, a divergência ficou bem mais acentuada. O voto do relator é
parecido com uma peça acusatória. Por outro lado, o voto do revisor nada se
diferencia de uma peça defensiva. Peço venia aos dois ministros, mas
estou apenas constatando uma realidade que, aliás, será consignada no livro que
lançarei em breve.
O relator afirma
que há provas abundantes da culpa de Dirceu. Em sentido contrário, o revisor diz
que não há prova alguma. A realidade é que a prova técnica contra Dirceu é
extremamente frágil. Nesse diapasão, pela ótica dos princípios que norteiam o
processo penal, o revisor tem razão, mormente porque, Jefferson, que poderia ser
utilizado como testemunha ou delator, beneficiado pela delação premiada, foi
incluído no processo como acusado, fragilizando por demais o viés probatório da
revelação que fez sobre o esquema criminoso.
Ocorre que o cenário delitivo é
gigantesco e aí fica difícil não enxergar a lógica, isto é, a ação dos que estão
por trás dos executores. Aliás, a ministra Rosa Weber, invocando “a lógica
autorizada pelo senso comum”, ressaltou que na Justiça Trabalhista ela
proferiu diversos votos, sob a inspiração de Malatesta, no sentido de que
“o ordinário se presume, só o extraordinário se prova”.
Conquanto esse entendimento possa ter agasalho nas lides laborais, em
matéria penal, ao meu sentir, ele acutila os princípios da verdade real,
presunção de inocência e in dubio pro reo.
Em socorro ao
raquítico quadro probatório, que poderia ser derrubado pelo princípio do in
dubio pro reo, os ministros que fazem divergência ao revisor invocaram a
teoria do domínio do fato, importada do direito alemão. Ocorre que a teoria do
domínio do fato não dispensa prova, caso contrário, estar-se-ia
institucionalizando a punição pela simples relação hierárquica. Assim, por
exemplo, o chefe da repartição seria punido por crime ocorrido na sua área de
atuação, independente da relação de causalidade, dolo ou culpa, bastando haver
relação lógica de que ele, como chefe, teria o domínio da situação. Isso fere os
princípios que norteiam a responsabilidade penal subjetiva. Daí a condenação de
Dirceu surpreender muita gente, inclusive eu, que não acreditava que iria
acontecer, mas que hoje é uma realidade, diante dos três votos nesse sentido e
da predisposição condenatória de outros ministros.
Como disse em
artigo anterior, o STF pode tudo, uma vez que é a última instância na dicção do
direito. Assim, pragmaticamente, é despiciendo discutir o acerto ou erro da
decisão condenatória, que ora se vislumbra.
O que se discute aqui é o óbvio: se a
teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a
fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula.
Nesse sentido, como o relator consignou que o “elevadíssimo cargo” que era
ocupado por Dirceu lhe conferia o domínio do fato. Por razão maior, o cargo
máximo que era ocupado por Lula lhe coloca em situação de responsabilidade
superior.
Aliás, se em
relação a Dirceu, o depoimento de Jefferson não foi confirmado por outras
testemunhas, o mesmo não aconteceu em relação a Lula. Segundo o voto do relator,
o depoimento de Jefferson, dando conta de que informara ao ex-Presidente a
existência do mensalão, teve ampla confirmação. Vejamos trecho do voto:
“A testemunha
(refere-se a Arlindo Chinaglia) também confirmou que
participou de reunião em que o acusado ROBERTO JEFFERSON informou ao Presidente
Lula sobre a existência dos pagamentos. Aliás, todos os interlocutores citados
por ROBERTO JEFFERSON – Senhores Arlindo Chinaglia, Aldo Rebello, Walfrido dos
Mares Guia, Miro Teixeira, Ciro Gomes e o próprio ex-Presidente da República –
confirmaram que foram informados, por ROBERTO JEFFERSON, nos anos de 2003 e
2004, sobre a distribuição de dinheiro a parlamentares para que votassem a favor
de projetos do interesse do Governo. Portanto, muito antes da decisão de ROBERTO
JEFFERSON de delatar publicamente o esquema.”
Isso desmente o
ex-Presidente Lula de que “não sabia de nada” sobre o
mensalão.
O ministro Joaquim
Barbosa também consignou no voto que “o senhor Ricardo Espírito Santo
Salgado, presidente do banco Espírito Santo, afirmou que manteve várias
reuniões, diretas e pessoais, com o próprio Presidente da
República.”
Ora, o que o presidente de um
banco privado faria em reunião direta e pessoal com o Presidente da República? A
resposta a esse questionamento pode ser vista em outro trecho do voto do
relator:
“Roberto Jefferson
disse em depoimento prestado à PF e confirmado em juízo, o seguinte: Que José
Dirceu afirmou ao declarante que o PT estaria sem recursos para cumprir o
acordo, uma vez que a PF havia prendido 62 doleiros. Que em um encontro
ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia
recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal Telecom ;com o
Banco Espírito Santo, que estaria em negociações com o Governo brasileiro.
Que José Dirceu afirmou que haveria a possibilidade de que referido grupo
econômico pudesse adiantar cerca de oito milhões de euros, que seriam repartidos
entre o PT e o PTB.”
O nome do
ex-Presidente Lula está em várias partes do voto do relator, de forma a não
deixar dúvida alguma de seu envolvimento com o esquema criminoso. Mas não é só
isso. Ao contrário de Dirceu, que não praticou nenhum ato material, pelo menos
não deixou rastro disso, Lula praticou atos materiais, que se enquadram como uma
luva nos artigos 13 e 29 do Código Penal. Senão vejamos. Duas foram as
principais fontes de recursos do mensalão. A primeira está relacionada aos
contratos fraudulentos com as empresas de publicidade de Valério. Para
viabilizar a contratação de tais empresas, foi editado o decreto 4.799/2003, que
além de afastar o incômodo da licitação, permitindo a contratação direta,
conferiu poderes a Valério para funcionar como uma espécie de administrador de
recursos públicos. Esse decreto foi assinado pelo ex-Presidente Lula, a mando de
quem não se sabe, mas a assinatura é dele.
Outra importantíssima fonte de recursos do mensalão veio de empréstimos consignados em folha de pagamento a aposentados do INSS. Primeiro foi editada a Medida Provisória 130, que criou os empréstimos. Assim, que foi publicada a MP, o banco BMG, envolvido no esquema, procurou habilitar-se para fazer tais empréstimos. Contudo, não obteve êxito, porque um inconveniente parecer da Procuradoria Federal do INSS aduziu que os empréstimos somente poderiam ser realizados por bancos públicos, pagadores de benefícios previdenciários. O empecilho foi superado com a edição do decreto 5.180, dispondo expressamente que mesmo banco privado, ainda que não fosse pagador de benefício previdenciário, poderia se habilitar. Graças à explicação do referido decreto, o BMG logrou êxito à habilitação. Tanto a medida provisória como o decreto foram assinados pelo ex-Presidente Lula, a mando de quem não se sabe, mas a assinatura é dele.
Além da
assinatura do “democrático” decreto, que inclusive levou a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) a representar criminalmente contra o ex-Presidente, arquivada
pelo então procurador-geral da República Antonio Fernando, Lula enviou mais
de dez milhões de cartas (assinadas por ele) a aposentados, anunciando a
“novidade” dos empréstimos, o que fez o BMG, com apenas dez agências, faturar
três bilhões de reais, superando a Caixa Econômica, com suas duas mil agências.
Vale lembrar, que o BMG “emprestou” bastante dinheiro ao PT, sem qualquer
garantia.
Dispõe o artigo
13 do Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime,
somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou
omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” Considerando que as
duas principais fontes de recursos do mensalão decorreram de atos praticados por
Lula, não resta dúvida de que, se não fosse ele, o resultado não teria ocorrido
(como ocorreu).
Assim, de acordo com
o artigo 29 do Código Penal que dispõe: “Quem, de qualquer modo, concorre
para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.”, Lula teria que ter sido acusado, nem precisaria invocar
a teoria do domínio do fato, porquanto a conduta dele está inserida na cadeia de
causalidade, sendo que há provas abundantes disso, inclusive do dolo. A
propósito, por causa dessa aberrante omissão, representei contra o
ex-procurador-geral da República (PGR) Antonio Fernando, autor da denúncia do
mensalão, a fim de que fosse apurado crime de prevaricação, por ele ter deixado
Lula fora da acusação, não obstante o ex-Presidente ter praticado atos
escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso. A representação foi
arquivada, sem que o mérito tenha sido enfrentado.
No ano
passado, representei ao PGR, Roberto Gurgel, apontando fatos que indicam o
envolvimento do ex-Presidente Lula no esquema do mensalão, que inclusive
sustentam ação de improbidade contra ele, em trâmite na 13ª Vara Federal do
Distrito Federal. Recentemente, Gurgel arquivou a representação, alegando que os
fatos nela contidos são objetos de apuração no inquérito policial 2.474, que
tramita no STF desde março de 2007.
Agora, com a condenação
de Dirceu que, por diversas vezes, falou que nada fazia sem o conhecimento e a
anuência de Lula, bem como as várias passagens do voto do relator, apontando o
envolvimento direto do ex-Presidente, sem contar que na teoria do domínio do
fato, Lula estava acima de Dirceu, não tem como deixá-lo impune. Lula não é uma
entidade para ficar incólume à lei nem é um idiota, para não responder pelos
seus atos, porquanto, ainda que não tivesse discernimento algum, deveria ser
submetido à medida de segurança, nos termos do artigo 97 do Código
Penal.
Para saber mais sobre a
realidade do mensalão, que não sai nos boletins oficiais, vide os artigos:
“Mensalão: o que poucos sabem, e o Brasil deveria saber”; “Lula, Dirceu e
os Tuiuiús: a realidade oculta do mensalão”, bem como outros
artigos que estão no meu site www.manoelpastana.com.br
Manoel
Pastana
Autor do livro
autobiográfico De Faxineiro a Procurador da República
Procurador da República no
Rio Grande do Sul
Imagens inseridas pelo Blog
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