Texto de Alexandre Dias, advogado em Fortaleza
16 Nov 2012
Constrangedor, para dizer pouco,
o desempenho ontem do ministro José Antonio Dias Toffoli, que, do nada e sem que
houvesse ambiente para tanto, decidiu fazer um verdadeiro repto contra as penas
restritivas de liberdade. Segundo ele, deveriam ser substituídas por penas
pecuniárias porque, afinal, “o pedagógico é recuperar o dinheiro desviado”.
Quando engatou seu discurso, tentava explicar por que votava com o revisor —
Ricardo Lewandowski, que sempre opta por penas mais leves —, mas se alinha com o
relator, Joaquim Barbosa, na imposição de multas mais pesadas. Usou a
justificativa do voto para fazer um candente discurso contra as prisões — para
ele, uma triste herança medieval.
Não deixa de fazer sentido… Na Grécia e na
Roma antigas, em vez das prisões, tinha-se, na melhor das opções, o degredo e,
na mais corriqueira, a morte. Valia até para filósofos… Imaginem se não valeria
para mensaleiros. Nesse sentido, pois, a “triste herança medieval” não deixou de
ser uma espécie de afirmação humanista, não é mesmo?
Toffoli foi constrangedor,
mas foi também patético. Sua invectiva contra a prisão — ecoando, diga-se,
editorial recente da Folha; já chego lá — vem a público no momento em que o
tribunal aplicou uma pena ao trio do ouro do petismo (José Dirceu, Delúbio
Soares e José Genoino) que rende cadeia. Os dois primeiros, tudo o mais
constante, terão de cumprir parte dela em regime fechado.
E então os petistas se
lembraram, liderados por José Eduardo Cardozo, que as prisões brasileiras são
masmorras — talvez à altura, vai-se saber, dos adversários do petismo, mas pouco
aptas para receber a nobreza companheira. É asqueroso!
O ministro, como não
poderia deixar de ser, citou a fala do dia anterior de Cardozo, que disse que
preferiria se matar a cumprir uma pena longa num presídio brasileiro — como se
esse setor não estivesse sob sua responsabilidade. Vejam no post abaixo a
distância que há entre o que prega aquele valente e o que ele efetivamente faz.
Foi, na prática, desmoralizado por três companheiros de tribunal: Gilmar Mendes,
Celso de Mello e Luiz Fux. Os dois primeiros lembraram as responsabilidades do
governo federal pela situação dos presídios. O terceiro teve de trazer à memória
de Toffoli que, no estado de direito, ministros do Supremo impõem penas segundo
o que prescreve a lei. Coisinhas como peculato, corrupção ativa, corrupção
passiva, gestão fraudulenta, evasão de divisas etc. rendem mesmo cadeia no
Código Penal. Por mais criativo que seja o juiz, ele não pode impor uma pena que
o legislador — deputados e senadores — não prescreveu no código legal.
Eu
poderia aqui fazer uma ironia nem muito sofisticada e lembrar que Toffoli talvez
ignore tal fundamento porque levou pau no concurso para juiz. Mas não acho, é
evidente, que sua manifestação nasça da ignorância. Ao contrário: ele sabia bem
o que estava fazendo. Até porque seu discurso foi eminentemente político —
embora, com efeito, tenha esbarrado também na imperícia ao lidar com as palavras
e com o pensamento.
Michel
Foucault
Falando quase aos berros, coma a
voz esganiçada, Toffoli evocou Torquemada para se referir a julgamentos
supostamente discricionários e chegou a citar o nome — mas não o texto — de
Michel Foucault. Referia-se, creio, ao livro “Vigiar e Punir”, que não deve ter
lido. Ou não tentaria, como diria o ministro Marco Aurélio, aplicá-lo à
espécie.
O livro de Foucault tenta estabelecer a gênese e a motivação das
prisões modernas e as considera formas exemplares de controle social e de
contenção da rebeldia, da contestação etc. Trata-se de uma das gigantescas
tolices que produziu, embora seja ainda hoje considerada uma espécie de
mini-bíblia em alguns cursos de ciências sociais. Lendo o que vai lá, a gente
entende por que este senhor era um dos grandes entusiastas do aiatolá Khomeini e
por que detectava pulsões e pulsações verdadeiramente eróticas — e não estou
brincando — na revolução islâmica do Irã, que deu naquela maravilha. Não é
realmente fantástico que o homem que enxergava, com olhar extremamente crítico,
formas de controle social nas prisões, nas clínicas e até nos hospitais tenha
sido seduzido por um tirano psicopata? Não quando se é Foucault…
Pior, no
entanto, do que ter escrito tudo aquilo é ver aquela obra citada como esforço
para manter fora da cadeia os mensaleiros petistas. No autor francês, afinal de
contas, está sempre presente a ideia de que os “internados”, os “apartados” da
sociedade, são, de alguma maneira, pessoas incômodas à ordem. Quanto Toffoli ler
o livro, vai entender o que estou falando. Seria, no entanto, esse o caso se
Dirceu, de Genoino, de Delúbio, dos banqueiros, da turma toda?
Ao contrário:
eles são o establishment; eles são o poder; eles representam a ordem vigente —
como, diga-se, Toffoli a representa também, ou não seria ministro do
Supremo.
Crimes de
sangue
O ministro defendeu ontem com
todas as letras que as cadeias sejam reservadas àqueles que cometem crimes de
sangue e que representam perigo — físico — para a sociedade. E chegou a indagar
que ameaça poderia encarnar a banqueira Kátia Rabello, “uma bailarina”.
É claro
que estava falando, no fim das contas, de Dirceu e companhia. Assim, entende-se
que os criminosos do colarinho branco jamais seriam encarcerados — afinal, a
maioria não costuma andar armada, não costuma matar ninguém, não costuma ameaçar
terceiros. Ao contrário até: a sua profissão lhes impõe um temperamento bastante
brando, amigável. A maioria até tem a ambição de conhecer vinhos, charutos,
essas coisas…
Trata-se de uma defesa que traz um traço odiento e odioso de
classe. Os crimes financeiros costumam ser cometidos por pessoas que já
atingiram certa posição social. Requerem expertise e conhecimento das altas
esferas. Não! Estes estariam sempre longe da cadeia.
Já os crimes de sangue, que
se misturam à criminalidade das ruas e, por óbvio, atingem com mais frequência
os mais pobres, bem…, esses levariam à pena de prisão. Foi o que defendeu a
Folha, reitero, em um infelicíssimo editorial
recente.
Toffoli estava, é evidente,
preocupado com seus amigos do PT, mas se esforçou para dar alcance teórico
àquilo que seria uma tese, que mal conseguiu esconder suas motivações originais.
Até porque ele não foi nada sutil.
No meio do discurso, engrolou uma exaltação a
“Luiz Inácio Lula da Silva” e fez questão de negar que o mensalão representasse,
como considera a maioria dos ministros, uma tentativa de golpe contra a
democracia. Não para ele! A motivação, escandiu as sílabas, foi
“pe-cu-ni-á-ri-a”. É mesmo? Para quem? Certamente não para Dirceu, a quem ele
absolveu.
Idiossincrasias?
Toffoli não estava mesmo num dia
feliz. Ao exaltar a beleza do colegiado no Supremo — sei… —, afirmou uma
batatada. Disse que cada ministro julgava segundo as suas “idiossincrasias”.
HEEEIIINNN? Tolo, sempre pensei que os senhores magistrados julgassem segundo o
entendimento que têm das leis. A idiossincrasia é outra coisa. Trata-se de um
traço particular, pessoal, vizinho à esquisitice e à mania — tudo aquilo, enfim,
de que um juiz deve antes se guardar. Por mais que seja um árbitro dos fatos,
das circunstâncias e das leis, tem de buscar, ao contrário do que diz o
ministro, o dado objetivo, livrando-se, pois, das tais
“idiossincrasias”.
“Ah, mas você já elogiou Toffoli
aqui…” Claro que já! E agora crítico. Já aconteceu com praticamente todos os
ministros — já aplaudi até voto de Lewandowski. Não faço, como diria este,
“crítica ad hominem”. Quando acho que um ministro acerta, aplaudo; quando acho
que erra ou que atua contra a honorabilidade do tribunal, vaio.
É, entendo, o
que deve fazer toda gente: dizer “sim” ao que aprova e “não” ao que
reprova.
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