O ESTRAGO QUE MADAME FEZ EM NOME DE LULA
José Nêumanne
Estadão - 05 Dez 2012
Na entrevista coletiva em
que foi apresentado como técnico da seleção nacional, Luiz Felipe Scolari fez
uma brincadeira sobre a pressão sofrida por qualquer ocupante de seu novo
emprego. “Se não quer pressão é melhor não jogar na seleção, vão trabalhar no
Banco do Brasil”, disse ao completar a declaração de que ganhar a Copa de 2014 é
uma obrigação. Bastou isso para que o mundo desabasse sobre sua cabeça. Apesar
de ser esta notoriamente dura, seu dono, o autor da graçola, submetido a
críticas de sindicatos de bancários e diretores e funcionários do BB, terminou
pedindo desculpas em público.
O autor destas linhas é do
tempo em que passar no concurso para o Banco do Brasil era quase como ganhar na
loteria da Caixa Econômica Federal. Perceba que a sorte neste país está sempre
sob chancela estatal. Emprego estável garantido, prestígio social e, como
insinuou Felipão, vida mansa. Hoje já não se pode dizer o mesmo, mas também não
é uma ocupação de que alguém venha a arrepender-se algum dia, principalmente
diante das vicissitudes da economia, que às vezes provocam dores de cabeça nos
assalariados da iniciativa privada, mas nunca prejudicam as evidentes vantagens
de quem vive sob os auspícios da viúva.
De pouco adiantou o
currículo do técnico, o último a dirigir uma seleção brasileira campeã do mundo,
em 2002, na Ásia: ele teve de ajoelhar no milho e se penitenciar perante a
corporação. Logo depois de seu triunfo, a gestão federal do Partido dos
Trabalhadores (PT) empreendeu um esquema de compra de votos de bancadas aliadas
para apoiar projetos no Congresso Nacional. E parte do dinheiro que usou foi
surrupiado dos cofres do banco cuja honra foi agora defendida com tanto denodo
por seus funcionários. O então diretor de Marketing nomeado pelo ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, Henrique Pizzolato, mandou depositar R$ 73,9 milhões
nas contas das agências publicitárias mineiras DNA, Graffiti e SMPB, que os
repassaram em forma de propina a partidos e políticos da
base.
Condenado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) a 12 anos e 7 meses de prisão, o ex-funcionário de
carreira e petista da linha de frente terá de amargar pelo menos 2 anos e 1 mês
numa cela e pagar R$ 1,3 milhão de multa. É muito dinheiro, mas praticamente
nada comparado com o total que se sabe que foi furtado. O companheiro pisoteou e
jogou no lixo a credibilidade de uma instituição financeira com mais de 200 anos
de existência e excelente reputação no mercado financeiro mundial. Seus colegas
e correligionários, entretanto, preferiram execrar a Justiça pela sentença que
condenou o ladrão à merecida prisão e reclamar do técnico da seleção pela piada,
que nem é das mais pesadas.
Imagem inserida pelo Blog |
Tão zelosa em negar os
próprios privilégios, a corporação do BB nunca se mostrou particularmente
interessada em salvaguardar a boa imagem dela. Ao desbaratar a quadrilha dos
“bebês da Rosemary”, os irmãos Vieira, que compraram as graças da ex-chefe do
gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, a
Polícia Federal (PF) comprovou isso. Pois constatou que essa senhora, acusada de
desvio de conduta na Operação Porto Seguro, conseguiu que Luiz Carlos Silva,
presidente da empresa Cobra, braço tecnológico do BB, contratasse a New Talent,
de João Vasconcelos, marido da moça, e seu genro, Carlos Alexandre Damasco
Torres. Assinado em maio de 2010, quando o vice-presidente de tecnologia do BB
era José Luiz Salinas, o contrato levou em conta um atestado de capacidade
técnica que os agentes federais presumem ser falso. Genuína mesmo era a ligação
de Salinas com José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil de Lula, como Pizzolato
condenado (por corrupção ativa e formação de quadrilha), e com o ex-presidente
do PT Ricardo Berzoini, que o apadrinharam para o cargo. Salinas, hoje na Ásia,
era também frequentador habitual do gabinete de “madame
Rosemary”.
Ainda há tempo para a
corporação do BB protestar contra a malsinada influência em créditos
evidentemente desastrosos, que também comprometem a credibilidade do banco
público, mas nem a Velhinha de Taubaté acredita nessa hipótese. Pois os
indignados com a gracinha do sisudo Felipão nunca vieram a público reclamar do
aparelhamento promovido pelo PT dos bancários Berzoini e Luiz Gushiken na antes
respeitável instituição financeira. Ao contrário, todos neste momento estão
empenhados em encontrar uma desculpa qualquer, similar à do caixa 2 de campanha,
com a qual tentaram desacreditar o julgamento do mensalão.
Enquanto isso, dirigentes
do PT, falsos ingênuos e blogueiros ditos progressistas fazem de tudo para
desmoralizar pelo menos um dos responsáveis pela condenação dos companheiros
Dirceu e José Genoino. A bola da vez não é o ex-presidente do STF Carlos Ayres
de Brito nem o atual chefe máximo do Judiciário e relator do julgamento, Joaquim
Barbosa, mas Luiz Fux.
O ministro está sendo
acusado à boca pequena, como é comum no gulag de intrigas do PT, de ter-se
comprometido a absolver os mensaleiros em troca da vaga no Supremo. A calúnia
não se apoia em documentos nem na lógica e padece de um defeito de origem: quem
mereceria recriminação, um jurista que aceita chegar ao topo da carreira
renegando a independência e a honra de julgador ou um estadista que seja capaz
de exigir dele tal promessa? A pergunta nem merece resposta, tão implausível é a
injúria.
Mas há outras duas que não
podem ser caladas. Qual a pior hipótese: a de uma secretária de luxo ter poderes
para nomear e promover usando o santo nome do ex-presidente Lula em vão, sendo
sempre atendida, ou a de este avalizar seus pedidos? Seria pior para a República
o advogado-geral da União fazer tráfico de influência ou ele nunca ter percebido
a quadrilha operando no gabinete ao lado, de um amigo que
promoveu?
Pelo visto, o mensalão é
pinto comparado com o estrago feito pela madame em nome de
Lula.
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