O PT não gosta da democracia
Partido tem plena consciência que sua permanência no poder exigirá explicitar cada vez mais sua veia anti-democrática
MARCO ANTONIO VILLA
Desde sua fundação foi
predominante no partido a concepção de que a democracia não passava de
mero instrumento para a tomada do poder. Deve ser recordado que o
partido votou contra a aprovação da Constituição de 1988 – e alguns dos
seus parlamentares não queriam sequer assinar a Carta.
Depois, com a
conquista das primeiras prefeituras, a democracia passou a significar a
possibilidade de ter acesso aos orçamentos municipais. E o PT usou e
abusou do dinheiro público, organizando eficazes esquemas de corrupção. O
caso mais conhecido – e sombrio – foi o de Santo André, no ABC
paulista. Lá montaram um esquema de caixa 2 que serviu, inclusive, para
ajudar a financiar a campanha presidencial de Lula em 2002. Deve ser
recordado, que auxiliares do prefeito Celso Daniel, assassinado em
condições não esclarecidas, hoje ocupam posições importantíssimas no
governo (como Gilberto Carvalho e Míriam Belchior).
Antes
da vitória eleitoral de 2002, os petistas já gozavam das benesses do
capitalismo, controlando fundos de pensão de empresas e bancos estatais;
e tendo participação no conselho gestor do milionário Fundo de Amparo
ao Trabalhador. Os cifrões foram cada vez mais sendo determinantes para o
PT. Mesmo assim, consideravam que a “corrupção companheira” tinha o
papel de enfrentar o “poder burguês” e era o único meio de vencê-lo. Em
outras palavras, continuavam a menosprezar a democracia e suas
instâncias.
Chegaram
ao poder em janeiro de 2003. Buscaram uma aliança com o que, no
passado, era chamado de burguesia nacional. Mas não tinham mudado em
nada sua forma de ação. Basta recordar que ocuparam mais de 20 mil
cargos de confiança para o partido. E da noite para o dia teve um enorme
crescimento da arrecadação partidária com o desconto obrigatório dos
salários dos assessores. Foi a forma petista, muito peculiar, de
financiamento público, mas só para o PT, claro.
Não
satisfeitos, a liderança partidária – com a ativa participação do
presidente Lula – organizou o esquema do mensalão, de compra de uma
maioria parlamentar na Câmara dos Deputados. Afinal, para um partido que
nunca gostou da democracia era desnecessário buscar o debate. Sendo
coerente, através do mensalão foi governando tranquilamente e aprovando
tudo o que era do seu interesse.
O
exercício do governo permitiu ao PT ter contato com os velhos
oligarcas, que também, tão qual os petistas, nunca tiveram qualquer
afinidade com a democracia. São aqueles políticos que se locupletaram no
exercício de funções públicas e que sempre se colocaram frontalmente
contrários ao pleno funcionamento do Estado democrático de Direito. A
maior parte deles, inclusive, foram fieis aliados do regime militar.
Houve então a fusão diabólica do marxismo cheirando a naftalina com o
reacionarismo oligárquico. Rapidamente viram que eram almas gêmeas. E
deste enlace nasceu o atual bloco anti-democrático e que pretende se
perpetuar para todo o sempre.
As
manifestações de desprezo à democracia, só neste ano, foram muito
preocupantes. E não foram acidentais. Muito pelo contrário. Seguiram e
seguem um plano desenhado pela liderança petista – e ainda com as
digitais do sentenciado José Dirceu. Quando Gilberto Carvalho disse, às
vésperas do Natal do ano passado, que em 2013 o bicho ia pegar, não era
simplesmente uma frase vulgar. Não. O ex-seminarista publicizava a ordem
de que qualquer opositor deveria ser destruído. Não importava se fosse
um simples cidadão ou algum poder do Estado. Os stalinistas não fazem
distinção. Para eles, quem seu opõem às suas determinações, não é
adversário, mas inimigo e com esse não se convive, se elimina.
As
humilhações sofridas por Yoani Sánchez foram somente o começo. Logo
iniciaram a desmoralização do Supremo Tribunal Federal. Atacaram
violentamente Joaquim Barbosa e depois centraram fogo no ministro Luiz
Fux. Não se conformaram com as condenações. Afinal, o PT está acostumado
com os tribunais stalinistas ou com seus homólogos cubanos. E mais, a
condenação de Dirceu como quadrilheiro – era o chefe, de acordo com o
STF – e corrupto foi considerado uma provocação para o projeto de poder
petista. Onde já se viu um tribunal condenar com base em provas,
transmitindo ao vivo às sessões e com amplo direito de defesa? Na União
Soviética não era assim. Em Cuba não é assim. E farão de tudo – e de
tudo para o PT tem um significado o mais amplo possível – para impedir
que as condenações sejam cumpridas.
Assim,
não foi um ato impensado, de um obscuro deputado, a apresentação de um
projeto com o objetivo de emparedar o STF. Absolutamente não. A
inspiração foi o artigo 96 da Constituição de 1937, imposta pela
ditadura do Estado Novo, honrando a tradição anti-democrática do PT. E o
mais grave foi que a Comissão de Constituição e Justiça que aprovou a
proposta tem a participação de dois condenados no mensalão e de um
procurado pela Interpol, com ordem de prisão em mais de cem países.
A
tentativa de criar dificuldades ao surgimento de novos partidos (com
reflexos no tempo de rádio e televisão para a próxima eleição) faz parte
da mesma estratégia. É a versão macunaímica do bolivarianismo presente
na Venezuela, Equador e Bolívia. E os próximos passos deverão ser o
controle popular do Judiciário e o controle (os petistas adoram
controlar) social da mídia, ambos impostos na Argentina.
O PT tem plena consciência que sua permanência no poder exigirá explicitar cada vez mais sua veia anti-democrática.
(*) Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP)
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