28 de dez. de 2010


A  ESPERANÇA

Ela anda desengonçada face a terríveis lesões. A face estampa nítida as dores sofridas. Magra tal a necessidade e bem pobre. Levanta os braços, para  não perder o equilíbrio, a cada árduo avanço. Mas ela anda, ela vai onde necessita, podem até rir, coitada, mas ela enfrenta a vida a disputar com quem tem a saúde perfeita. Ela é a altivez.

Ele já deixou a mocidade há muito, empurra enorme carroça onde empilha os caixotes, latas e vidros recolhidos das caixas de lixo do bairro. Quando ele  passa, lembro-me de agradecer a Deus por ter acesso aos estudos e o organismo completo, pois a ele falta um dos braços, e porfia em dobro para alcançar seu sustento mensal. Ele é a determinação.

A terceira há muito não aparece. Cinquentona, usava chapéu desabado de pescador, bermudões, camiseta e chinelas modestas. Vinha sempre acompanhada de alguém capaz de a assistir. Alguns afirmavam ser ela levemente desequilibrada. Vinha pela calçada com sorriso esboçado e olhos vivos de quem provoca o mundo. Assoviava extraordinariamente alto, com o dedo no canto da boca - "fiu-fiu", assoviar coió, diziam antigamente. O assovio, vez por outra, era respondido, por alguns anônimos das residências contíguas. Ela exultava, parecia sempre contente da vida. Semeava felicidade a toda volta. Aquela alegria faz falta. Ela sempre me lembrava o ensinamento da Loucura: "... a felicidade consiste, sobretudo, a querer ser o que se é." Vide o excelente Elogio à Loucura, de Erasmo de Roterdam. Ela bem sabe disso, pois ela é o júbilo.

As três residem na base do meu crédito inabalável no futuro feliz, não evidente caído dos céus tal as dádivas das lendas. Mas sim, fruto de  profunda reflexão para conquistar o verdadeiro escudo capaz de nos proteger  das emoções resultantes das desditas a nós reservadas pelo fado.

Começamos novo ano. A cotio, selecionamos a data para renovar as promessas a nós mesmos ou aos outros. Emagrecer, deixar de fumar, pagar dívidas, escrever livros, e lá vai. Rogais delírios, na maioria frutos dos vapores espirituosos do vinho. Mas, pense bem, mesmo a sofrer as mágoas de fatos doloridos recentes, mesmo a enfrentar dores atrozes, mesmo em situação precária por qualquer motivo, convém jamais nos afastarmos do nosso objetivo de manter segura a nossa felicidade. Lembre-se de:

"PROMETEU: Graças a mim, os homens não desejam mais a morte.

CORO DAS NINFAS: Que remédio lhes deste contra o desespero?

PROMETEU: Dei-lhes a esperança infinita no futuro."

(Ésquilo em Prometeu Acorrentado)

Vamos pois perseguir a felicidade em busca de nosso exato eu, das nossas próprias verdades, das nossas limitações, de nosso equilíbrio interno e externo.

FELIZ ANO NOVO.
Kurt Pessek
2010/2011

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