Celso Arnaldo Araújo
São seis
os cavaleiros do pós-apocalipse que aparecem na foto que deveria figurar em
qualquer dicionário universal junto à palavra Cinismo. Cinco envergam ternos
circunspectos, um ostenta farda verde oliva; quatro estão de cabeça baixa,
fingindo assumir a vergonha que não têm; um tem o olhar perdido no infinito a
dois metros de distância, mas no fundo exulta: meia hora antes, salvara o
empregão; o último, o de bigode em forma de símbolo do Batman, aparentemente
balbucia alguma promessa morta no berço por sua incompetência científica e
tecnológica. Sem ter como inovar ─ terceira missão de sua pasta – repete o
anúncio feito por algum outro mentiroso exato um ano atrás, diante da devastação
da região serrana pelas chuvas do verão de 2011: “Vamos fazer um mapeamento in
loco para identificar as áreas mais vulneráveis e ajudar a Defesa Civil na
remoção das famílias”.
A sétima figura da
encenação galhofeira, única mulher presente a essa imagem da farsa como método
de governo, é também o único membro do sinistro septeto a desfilar um olhar
desafiador, de quem está à cavaleiro da situação – na qualidade de ministra da
Casa Civil e gestora de mais um embuste inventado por Dilma, já saboreia a
possibilidade de fazer cobranças imaginárias bem longe dos cenários da tragédia
de 2012, ela e a chefa fingindo que é dor a dor que deveras nunca
sentiram.
Há poucos minutos, no Blog do
Planalto, a imagem revoltante ganhou um título arrasador, na acepção mais
destrutiva da palavra: “Governo cria força-tarefa
para atuar nas áreas atingidas pelas chuvas”.
Já no olho da matéria, começa a fantasia tonitruante, cheia de pompa e
circunstância: “O governo federal vai criar uma força-tarefa, composta por 35
geólogos e 15 hidrólogos, para atuar nas áreas de risco dos estados do Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, afetados pelas chuvas. A decisão foi
tomada hoje (9) pela presidenta Dilma Rousseff em reunião com seis ministros no
Palácio do Planalto.
A força-tarefa vai trabalhar na identificação das áreas
sujeitas a deslizamentos e inundações, de onde as famílias devem ser removidas
pela Defesa Civil”. E sabem da
maior? “Evitar mortes é nossa prioridade
número um”, disse a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, em entrevista
coletiva após a reunião com a presidente.
A
seguir, todos os homens de preto e o de verde oliva também falaram,
sequencialmente, bem roteirizados pelas respectivas assessorias, numa espécie de
jogral da fraude. Para evitar as mortes que já
ocorreram no ano passado e neste, incluindo a morte civil de quem perdeu tudo na
vida, a presidenta que não chove no molhado também determinou que “os centros de
operação e monitoramento permaneçam nos estados até fim de março para atuar nas
ações de prevenção e reconstrução das cidades mais afetadas pelas chuvas”.
O
ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, informou em
primeira mão – pelo menos para quem não viu os boletins de 15 dias atrás — que o
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemanden)
prevê fortes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e
Ouro Preto. Por essas e outras é que ele conta os dias de ir para a
Educação.
Já o ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, revelou que mais 800 quilos de medicamentos serão enviados para as
áreas mais atingidas, “somando 12,8 toneladas o total já encaminhado pelo
governo”, por decisão pessoal de Dilma assim que voltou das férias, numa
estranha ênfase na abordagem epidêmica de uma inundação.
Por fim, segundo o Blog do Planalto, o ministro que hoje salvou o
empregão, Fernando Bezerra Coelho, transmitiu, em nome da gerentona Dilma,
solidariedade às famílias das vítimas do deslizamento na cidade de Sapucaia, no
norte do Rio de Janeiro – a mais recente tragédia que o governo vai prevenir. E
afirmou, sem ficar vermelho e sem rir: “Vamos
envidar esforços para resgatar as vítimas e oferecer apoio aos
familiares.” Ele já o ofereceu ao irmão
burocrata, ao filho deputado e ao correligionário proprietário do terreno em
Petrolina comprado e pago duas vezes.
Todo
brasileiro que ainda não se afogou nesse mar de lama, de corrupção, de inépcia,
da pior forma de cinismo que existe, o cinismo que mata, deve olhar
compenetradamente para cada um dos descarados da foto e anunciar em alto e bom
som: EU SEI O QUE VOCÊS FIZERAM NO VERÃO
PASSADO.
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