14 de nov. de 2011

Bendita Herança Maldita !
Claudio Bittencourt *

(IMAGENS POR CONTA DO HUMOR DO BLOG)



          Nunca antes na história deste país um presidente da República recebeu do antecessor condições tão benditas quanto Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula.

          Não acredita?  Então vamos lá, do princípio.  Tudo começou quando um jovem fidalgo português, de nome Pedro Álvares Cabral, partiu de Lisboa em busca das Índias (com I maiúsculo!) nos idos de 1500...  Ok, ok, vamos pular essa parte.

          Passou-se o tempo, o Brasil foi descoberto, a independência declarada, a escravidão abolida, a República proclamada, a ditadura instaurada e a democracia restaurada - em tese.  Após muita instabilidade política e um breve período de vacas gordas, o Brasil mergulhou na 'década perdida', como ficaram conhecidos os anos oitenta do século XX, que combinava estagnação, hiperinflação e uma sucessão interminável de crises e planos econômicos fracassados.  

          Foi aí que um presidente da República chamado Itamar Franco, assessorado pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o FHC, lançou, em 1994, mais um plano de estabilização da moeda, o Plano Real.  Só que esse, ao contrário dos anteriores, deu certo, a despeito da oposição de Lula e do seu partido, o PT, que, entre outras imprecações, o taxaram de eleitoreiro.

          Os anos que se seguiram foram muito difíceis para o Plano Real, que quase deu com os burros n'água.  Pode-se imaginar o que seja superar décadas de cultura inflacionária e enfrentar e corrigir as distorções acumuladas em tão longo período de desvario econômico.  Mas o que tinha que ser feito foi feito, na medida do possível, às vezes aos trancos e barrancos, mas foi feito.  Para começar, na esteira do Plano Real veio o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, o Proer, com o propósito de restabelecer a solidez e a credibilidade do sistema financeiro, grandemente abaladas pela novel estabilidade da moeda.  Na era pré-Real, os bancos se viciaram em inflação, droga alucinógena da qual tiravam a maior parte dos seus ganhos.  Domado o dragão inflacionário, os bancos foram atacados por uma terrível síndrome de abstinência, privados que estavam daquela cachacinha cotidiana (inflação = 1,2% ao dia!).  Segundo dados do Banco Central, 22 deles sofreram intervenção/liquidação em pouco mais de um ano.


         Lula e o PT foram radicalmente contra, conseguiram até uma liminar suspensiva na Justiça, felizmente cassada.  O Proer foi tão bem-sucedido que até hoje o nosso sistema financeiro é considerado um dos mais sólidos do planeta, tendo passado incólume pela crise de 2008.  Na ocasião, Lula, o indefectível, estufou o peito e cantou de galo para o seu colega americano: “O Brasil tem know-how para salvar bancos.  Tem o Proer.  Se eles americanos precisarem podemos mandar tecnologia”.

          Reconhecimento tardio?  Ato falho?  Não, empáfia mesmo.

          Se petistas e afins implicaram com o Proer, imagine-se o que não fizeram com o Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária, o Proes, uma espécie de Proer dos bancos estaduais.  Aí, além das costumeiras imprecações, valeu de tudo, até chute na canela, cusparada na cara e cotovelada em praça pública.  A situação desses bancos, que já não era boa antes do Real, tornou-se insustentável com a estabilização da moeda.  Ignorando solenemente as mais elementares regras de boa administração bancária e de prudência financeira, os bancos estaduais tinham por hábito emprestar aos seus controladores, os governos estaduais, sem garantias e até ao arrepio de leis e regulamentos.  Financiando os déficits públicos a fundo perdido e muitas vezes sem lastro, eles eram, em última análise, verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, uma ameaça real ao Plano Real - ameaça que se multiplicava ad nauseam em ano de eleição.  O nó górdio estava de tal modo embaraçado que o desenrosco não poderia ficar restrito à ponta bancária da meada.  Era necessário mais, muito mais, era preciso envolver os governos endividados em programas de ajuste fiscal sérios e acima de tudo duradouros.  Os entes federativos foram então instados a aderir ao Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira dos Estados, por meio do qual o governo federal assumia os passivos estaduais, tomando por garantia as receitas futuras e os repasses do Fundo de Participação dos Estados.  Exigia, em troca, a adoção de medidas de austeridade, entre elas a desestatização dos bancos estaduais e a privatização das empresas públicas deficitárias.  

          Desestatização!!? Privatização??!  Aaarg!!  - Lula e o PT, mais uma vez, radicalmente contra.  A “repactuação das dívidas estaduais”, como ficou conhecido o programa, foi lembrada recentemente, quando economistas de renome internacional recomendaram solução idêntica para a crise da dívida européia.  Mais uma vez a velha Europa se curvou diante do Brasil, e dessa vez não foi por causa do futebol, nem da beleza, do charme e da simpatia da mulher brasileira.

          Como coroamento das medidas moralizadoras pós-Real, foi promulgada, na virada do milênio, a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, que veio disciplinar a gestão financeira dos entes federativos (União, Distrito Federal, estados e municípios) não apenas no âmbito do Executivo como do Legislativo e do Judiciário.

          Ganhou a transparência, perdeu a gastança irresponsável.  Quem foi radicalmente contra?  Ora, os de sempre, Lula e o PT.  Eles até ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (na linguagem das siglas: o PT ajuizou ADI no STF contra a LRF do FHC).  Diga-se a propósito que ainda hoje eles procuram brechas por onde enfiar um pé-de-cabra jurídico e arrombar a lei.

          Note-se o tanto que se avançou, em apenas 6 anos, no sentido de tornar a gestão pública brasileira menos esculhambada, em todas as esferas.  Embora muito ainda estivesse por ser feito, o pontapé inicial fora dado.



          A despeito dessas iniciativas meritórias, o Brasil permanecia vulnerável a turbulências internas e externas.  Foram realmente difíceis os primeiros anos do Plano Real, com a eclosão de três graves crises internacionais: México em 1995, Sudeste Asiático em 1997 e Rússia em 1998.  E para completar, uma esdrúxula moratória mineira, em janeiro de 1999, decretada por ninguém menos que o expresidente Itamar Franco, patrono do Plano Real - até tu Brutus?  Uma paulada atrás da outra!  Assim não há plano econômico que aguente.  A economia brasileira foi alvo de sucessivos 'ataques especulativos' e quase que a vaca foi para o brejo.  Salvou-a o Rhum Creosotado.  Brincadeira, salvaram-na a maxidesvalorização do Real de 1999 e a reformulação da política econômica, que passou a assentar-se no tripé câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário.  Acrescente-se a essa tríade a autonomia factual concedida ao Banco Central.

          Como de hábito, Lula e o PT foram radicalmente contra.  Para eles, superávit primário foi a maneira que o governo malvado e neoliberal do tucano FHC encontrou de tirar dinheiro dos pobres para entregar à 'banca'.

          Nada a lamentar.  Depois de 20 anos de desempenho medíocre da economia, havíamos, finalmente, encontrado a saída.  Os instrumentos de política macroeconômica então adotados, aliados ao fortalecimento do sistema financeiro, ao saneamento das contas públicas e às regras de austeridade fiscal, haviam formado o alicerce que nos permitiria alcançar a prosperidade nos anos vindouros.


          Após duas décadas de vacas magras, estávamos com tudo pronto para ingressar no período das vacas gordas. 

          Então, que vengam las vacas!

          Não, ainda não. Uma ameaça pairava no ar. Lula, o indefectível, era candidato pela 4ª vez à presidência da República, desta feita com chances reais de vitória. Pelo histórico do personagem, era de se esperar que, uma vez eleito, pusesse em prática tudo aquilo que não se cansava de bravatear Brasil afora. Ou, pior, tudo que preconizava o programa do seu partido. Céus, o que seria de todo aquele arcabouço econômico-financeiro-legal, penosamente construído nos últimos anos, com grande sacrifício do povo brasileiro? Sabe lá Deus! O 'mercado', que não sabia, entrou em polvorosa. À medida que o tempo passava, as eleições se aproximavam e a vantagem de Lula se firmava, as bolsas despencavam, a inflação disparava e as divisas externas se esfarinhavam.


          Aí, num golpe de mestre, Lula escreveu (Lula escreveu!?) um documento chamado Carta ao Povo Brasileiro, supostamente com a intenção de acalmar o mercado e, de quebra, cooptar a classe média indecisa.  O texto, um tanto repetitivo, é também descosturado, não segue uma sequência lógica de raciocínio.  Os parágrafos se sucedem ignorando-se uns aos outros, pulam de alhos para bugalhos sem a menor cerimônia, vagam erráticos da visão crítica sobre a situação presente a antevisões paradisíacas do porvir, saltam para as aspirações populares, tecem comentários superficiais sobre algum fato econômico, citam reformas muito necessárias à modernização do país, informam uma ou outra intenção do futuro governo, destacam a importância das ações sociais, mergulham novamente na avaliação crítica, citam mais algumas reformas, abordam an passant a política internacional e tornam a enfatizar o descalabro em que o país se encontra metido por culpa das más intenções dos atuais governantes.  

          Uma colcha de retalhos.  No meio de tudo, destaca-se uma entidade mítica, denominada 'modelo', citada sete vezes (conta de mentiroso) ao longo do texto.  O modelo esgotou-se, o modelo fracassou, o modelo isso, o modelo aquilo...  Somos enfaticamente convencidos de que o 'modelo', seja lá isso o que for, é o grande culpado por todos os males que nos afligem.  Mas, aleluia, sob Lula, tudo será resolvido com um modelo novo, zerinho, que nos trará a tão sonhada felicidade.  E como será esse modelo estalando de novo?  Nada é muito claro nesse sentido, mas, pinçando aqui e ali, toma-se conhecimento de que Lula pretende aprofundar as ações de cunho social, preservar as instituições, respeitar os compromissos firmados pelo país, perseverar no combate à inflação, no controle das contas públicas, no equilíbrio fiscal e, heresia das heresias, manter a política de superávit primário.

          Mas esse é o programa que aí está, ora pitombas!  Onde foram parar os discursos inflamados das portas de fábrica?  Onde foi parar a indignação contra as privatizações, o Proer, o Proes, a LRF e tudo mais que esse governo corrupto e neoliberal do FHC inventou para tirar dinheiro dos pobres e entregar às elites?

          Morreram na praia?

          Claro que não, continuam vivíssimos até hoje, mas só na retórica, não nas ações de governo, como se verá adiante.

          Voltando aos propósitos da Carta.  Conforme dito, ela teria a intenção de acalmar o mercado e cooptar a classe média indecisa.  Quanto a esta, tudo bem, a classe média, como sabemos, gosta mesmo de emprenhar pelos ouvidos.  Tanto que, àquela altura da marcha eleitoral, já pendia para a candidatura lulista.  Mas o mercado, convenhamos, nunca deu bola para discurso pré-eleitoral; ele tem os seus próprios parâmetros, muitas vezes insondáveis, e os petistas sempre souberam disso.  Se assim era, por que assumir compromissos opostos ao ideário tão ferrenhamente defendido em anos e anos de militância política?  A menos que o ideário de Lula não fosse bem aquele que ele trombeteava nos palanques.  Mas quem será capaz de dizer qual é o ideário de Lula?  Acho que nem ele mesmo - haja vista o que pensa de si próprio: metamorfose ambulante.

          A razão secreta dessa aparente incoerência é que Lula sabia, seja por conhecimento próprio, seja por que fora convencido pelos assessores mais próximos (posso apostar que aí tem o dedo do Palocci) que o tal 'modelo' (novo ou velho, que diferença faz?) tinha uma boa chance de dar certo.  Claro, desde que um governo desastrado não metesse os pés pelas mãos.  Um rápido balanço da situação indicava isso.  O Brasil de Itamar e FHC tinha feito direitinho o dever de casa, abandonando as aventuras heterodoxas e perseguindo o receituário ortodoxo, penoso mas eficaz.  

          Alguns indicadores econômicos vinham sofrendo piora nas últimas semanas, mas isso era mera consequência do pânico que se instalara no mercado ante a provável vitória dos petistas nas urnas - nada que o tempo e a reversão das expectativas não pudessem resolver.  O importante é que o Plano Real havia passado por provas severíssimas e conseguira sobreviver; a estabilidade da moeda era um fato, estava consolidada.  É certo que algumas reformas ainda estavam por ser feitas, mas elas não eram assim tão urgentes.  No que diz respeito a fatores externos, era visível que a economia americana passava por uma fase de desaceleração, ainda abalada pelo estouro da 'bolha da internet', mas também nada preocupante.  

          Em compensação, despontava na Ásia, recém admitida na Organização Mundial de Comércio, a gigante China, com um apetite incomensurável por commodities.  Pesados os prós e os contras, valia a pena apostar nos fundamentos econômicos do jeito que estavam.  Assim se faria no início do mandato.

          Depois, se alguma coisa desse errado, a culpa seria posta neles mesmos, os fundamentos econômicos herdados do FHC, e só aí se partiria para uma virada de mesa, perfeitamente justificada.  Uma ruptura imediata seria um salto no escuro totalmente desnecessário, incompatível com personalidades tão lúcidas e argutas como soem ser os próceres petistas, capazes de jogadas de longo alcance, bem estudadas, diligentes, estratégicas, estruturadas, pacientemente ensaiadas.  

          Não é mesmo?  Alguém convenceu alguém lá dentro - quem disse que não há vida inteligente no PT?

          E a militância, tão aguerrida, tão consciente dos seus ideais, como é que fica numa encruzilhada dessas?  Aí entra em cena a Carta ao Povo Brasileiro.  Mais do que acalmar o mercado e cooptar a classe média, a Carta tinha também o propósito de amansar os companheiros mais extremados, ansiosos que estavam por desmontar e jogar no lixo as iniciativas neoliberais do facinoroso FHC - justamente aquelas iniciativas que agora se pretendia preservar.  Ou seja a Carta se propunha a agradar a gregos e a troianos.  Melhor dizendo, agradar a uns e enganar a outros.

          Com certeza essa dicotomia explica não só a pobreza da obra como a coexistência de tantas contradições num texto tão curto.  Para não despertar a ira dos radicais, nada melhor que o palavrório de sempre, mas sem carregar muito nas tintas, que é para não espantar o outro lado.  E, principalmente, tudo deveria ser feito sem creditar mérito ao inimigo, quer dizer, aos governos anteriores, que seria o mesmo que render-se aos seus argumentos, algo verdadeiramente impensável, passados mais de vinte anos de proselitismo petista.

         Deu certo, a militância nem percebeu a jogada - ou fingiu não perceber.

          Esconder o mérito foi a parte mais fácil do plano, bastou maquiar dados e fatos, arte na qual Lula mostrou-se mestre insuperável.  No caso em tela, foi só vender o novo e entregar o velho.  Foi o que se fez na Carta ao Povo Brasileiro.

          Depois de desqualificar o modelo existente, falar cobras e lagartos da situação em que o país se encontrava, e repetir à exaustão que um novo modelo era preciso, o documento sugere, ainda que de forma meio envergonhada, as linhas gerais do que seria o modelo novo - igual ao velho, sem tirar nem por.

          A essa altura dos acontecimentos, Lula já emitia, antes mesmo de assumir o poder, os sinais de que se apossaria do mérito pelos anos frutuosos que estavam por chegar.  Tudo bem, se fosse apenas uma jogada eleitoral para consumo interno do PT.  O diabo é que pegou gosto pela coisa e adotou-a como estratégia política.

          Mais do que isso, como estratégia de vida, levando às últimas consequências a técnica goebbeliana de repetir uma mentira à exaustão, até que pareça verdade.

          Assim nasceram a “herança maldita”, o “nunca antes na história deste país” e outros chavões da retórica lulopetista.  No seu delírio de grandeza, Lula terminou por assenhorear-se não apenas daquele mérito, mas de todos que lhe aprouveram, passados, presentes e futuros.  Nesse afã, não teve escrúpulos em passar uma esponja na História do Brasil, declarando-se inventor de tudo que existe de bom neste país, desde os tempos daquele jovem fidalgo português que partiu em busca das Índias etc, etc.  Aos adversários, creditou a conta de tudo que é ruim.  A julgar pelos níveis de popularidade que alcançou, conseguiu convencer as massas - o que se há de fazer?

          Que extraordinário poder de convencimento tem o Lula!  Das duas uma, ou é iluminado por Deus, ou tem parte com o Capeta - não há meio termo.  Cada brasileiro que escolha o lado que lhe fala mais alto ao coração.

          Antes que eu me esqueça.  Eu gostaria muito de me orgulhar de um brasileiro que veio lá de baixo, do Agreste pernambucano, a bordo de um pau-de-arara, enfrentou todo tipo de privações, conheceu a fome e a miséria, começou a vida como simples operário, galgou todos os obstáculos e chegou ao posto mais alto do meu país.  Ah, como eu gostaria!  Não posso negar que às vezes me orgulho sim, mas aí penso um pouquinho e caio na realidade.  O orgulho vira decepção, a decepção vira desgosto e o desgosto vira indignação.

          - Brasil, não poderia ter sido um filho teu um pouco menos velhaco?

          Voltando ao foco.  Enfim, o tal modelo novo não apresentava novidade alguma, como de fato não as apresentou até hoje, passados 9 anos de governo petista - sinal de que era bom!  Estão aí os instrumentos de política macroeconômica que não me deixam mentir: o câmbio flutuante, o regime de metas de inflação e o mal-falado superávit primário.  Até a autonomia do Banco Central foi mantida, a despeito de ter sido a única instituição a levar um (discretíssimo) puxão de orelha no texto do Lula.  Estão aí também os frutos das execradas privatizações, nenhuma delas revertida, nem sequer contestada na justiça.  Continua aí o programa de repactuação das dívidas estaduais, em pleno funcionamento, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a despeito das tentativas frustradas de desvirtuamento.  E estão aí os frutos do Proer e do Proes, também jamais questionados, senão da boca pra fora.

          Bem examinada a questão, constata-se que Lula, se não desfez o que estava feito, tampouco criou algo novo para melhorar o Brasil.  Nem sequer as reformas citadas na Carta foram executadas a contendo.  No frigir dos ovos, o seu governo apenas surfou na maré de prosperidade que bafejou os países emergentes e que, no caso do Brasil, é fruto do empenho dos seus antecessores.  Lula, se mérito teve, não foi pelo que fez e sim pelo que não fez.

          Mas ele promoveu a distribuição de renda, diminuindo as desigualdades sociais e resgatando da miséria milhões de brasileiros, como nunca se fez antes na história deste país - dirão os que optam pela versão divina do Lula.

          Eu, que estou mais inclinado para a versão oposta, por ora não contesto, mas pergunto quantos brasileiros melhoraram de vida porque a economia mundial cresceu, quantos melhoraram porque o Brasil cresceu e quantos melhoraram por conta das iniciativas do governo.  Destes, convém distinguir os que ascenderam graças a ações sociais, digamos, ortodoxas (exemplos clássicos: ações nos campos da educação, saúde, habitação, saneamento, transporte público, inclusão digital, etc) daqueles que saíram da miséria por vias heterodoxas, recebendo renda diretamente do governo.

          A transferência direta de renda ameniza um problema imediato, urgente, mas não pode ser um fim em si.  Para render frutos sociais tem que ser condicionada à participação em outros programas, voltados para a educação e a saúde dos assistidos bem como à sua inclusão na sociedade.  Caso contrário vira esmola, que é a pior coisa que pode acontecer.  

          “...uma esmola a um homem qui é são / Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão” - já dizia o Rei do Baião, um pernambucano que sabia das coisas.

          Ademais, vista pela ótica macroeconômica, tal distribuição carece de sustentabilidade.  Se nos períodos de expansão ajuda a azeitar a economia, em épocas de fraco desempenho surte o efeito contrário.  E aí as coisas se complicam, pois a economia é cíclica, como sabemos desde os tempos bíblicos.  Sem falar no risco, sempre presente, de descambar para o assistencialismo paternalista de cunho eleitoreiro.



          De um programa de distribuição de renda podemos dizer que será benfazejo se levar as pessoas à porta de saída e, ao contrário, será nefasto se aprisioná-las nas fronteiras da miséria.

          E aí está o X da questão: no que diz respeito a essa importantíssima distinção, os números ainda estão por ser conhecidos no Brasil.

          O que se conhece, e assim mesmo precariamente, são os números de uma outra distribuição de renda, oficiosa, não oficial, cujo público alvo não são os excluídos da sociedade e sim os companheiros, os aliados, os amigos e os familiares.  Corrupção é o seu nome.

          Mas esse é um outro capítulo da contribuição de Lula para a deseducação dos brasileiros.

*  Claudio Bittencourt é coronel reformado do Exército 


HAPPY BIRTHDAY VARIATIONS


Mehta in Spain 



Gostaria de ter visto há mais tempo


Mau cheiro



13 de nov. de 2011


atentado a Guararapes,
o início da luta armada

25/07/1966



A Contra-revolução completava dois anos. Solenidades eram realizadas em todos os rincões do País. Em Recife, desde oito horas desse 31/03/1966, o povo se deslocava para o Parque Treze de Maio para o início das comemorações. Milhares de pessoas estavam reunidas naquele parque quando, às 8h47, foram surpreendidas por uma violenta explosão, seguida de espessa nuvem de fumaça que envolveu o prédio dos Correios e Telégrafos de Recife.

Quando a fumaça desapareceu, o povo, atônito, viu os estragos. Manchas negras e buracos nas paredes, a vidraça no sexto andar estilhaçada. A curiosidade era geral. O povo não imaginava que esse seria o primeiro ato terrorista na capital pernambucana. Ao mesmo tempo, outra bomba explodia na residência do comandante do IV Exército.


Também naquele dia, outra bomba, que falhara, foi encontrada em um vaso de flores da Câmara Municipal de Recife, onde havia sido realizada uma sessão solene em comemoração ao segundo aniversário da Contra-Revolução. 

Cinqüenta dias após, em vinte de maio, foram arremessados dois coquetéis “molotov” e uma banana de dinamite contra os portões da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. Por sorte, até então, os terroristas não haviam provocado vítimas.


No entanto, antes de completarem quatro meses da explosão da primeira bomba,no dia 25 de julho,  Recife foi teatro do mais revoltante ato de terror. Bombas de alto terror explosivo , colocadas no Aeroporto de Guararapes, na União dos Estudantes de Pernambuco e na sede da USAID, demonstravam que havia um plano organizado , para desestabilizar a tranquilidade aparente que antecipava a chegada do Marechal Costa e Silva que, em campanha para presidente da República, visitava as capitais do Nordeste.  Vinha de João Pessoa e deveria chegar ao Aeroporto Guararapes, onde cerca de 300 pessoas , entre autoridades, povo e crianças esperavam para saudar o candidato a substituir o Marechal Castelo Branco.


As autoridades estavam preocupadas com  os movimentos que se opunham à contrarrevoluçâo  que, inicialmente, se limitavam`a arruaças de estudantes e operários, infiltrados por doutrinadores comunistas. A preocupação crescia, pois pouco a pouco aumentavam os assaltos de grande vulto em bancos e carros pagadores. Mesmo assim, não imaginavam que esses movimentos assumiriam consequêncais mais sérias como as que estavam prestes a abalar o país.


O terrorismo assumiria proporções que não inimagináveis, pois essas atitudes não estavam na índole do povo brasileiro  O povo brasileiro jamais adotara práticas  semelhantes.


Mas, esses atos de terror vieram abalar a tranqüilidade de Recife, e não tinham as mesmas intenções dos anteriores que não provocaram vítimas.

Desta vez os terroristas  se esmeraram. Esperavam atingir uma grande quantidade de pessoas. A justificativa para essas ações era protestar contra a visita a Recife do marechal Costa e Silva, candidato da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) à Presidência da República. O alvo principal era o próprio Costa e Silva e sua comitiva.

No dia marcado para a chegada do candidato, 25 de julho de 1966, explode a primeira bomba na União dos Estudantes de Pernambuco, ferindo com escoriações e queimaduras, no rosto e nas mãos, o civil José Leite. A segunda bomba, detonada nos escritórios do Serviço de Informações dos Estados Unidos, causou apenas danos materiais.

A terceira, mais potente, preparada para vitimar o marechal Costa e Silva, atingiu um grande número de pessoas. Ela foi colocada no saguão do Aeroporto de Guararapes, onde a comitiva do candidato seria recebida por trezentas pessoas. 

Por sorte, eram 8h30 quando os alto-falantes anunciaram que, em virtude de pane no avião que traria o marechal, ele estava se deslocando por via terrestre, de João Pessoa até Recife, indo diretamente para o prédio da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Com o anúncio, as consequências do atentado não foram mais trágicas porque muitas pessoas se dirigiram para os locais por onde o candidato passaria.
O guarda-civil Sebastião Thomaz de Aquino, o “Paraíba”, que fora um grande jogador de futebol do Santa Cruz, viu uma maleta escura junto à livraria Sodiler. Pensando que alguém a esquecera, pegou-a para entregá-la no balcão do Departamento de Aviação Civil (DAC). Ocorreu no momento uma grande explosão. A seguir pânico, gemidos e dor. Mais um ato terrorista acabara de acontecer, com um saldo de quinze vítimas. Morreu o jornalista Edson Régis de Carvalho, casado e pai de cinco filhos. Teve seu abdômen dilacerado. Também faleceu o almirante reformado Nelson Gomes Fernandes, com o crânio esfacelado, deixando viúva e um filho menor. “Paraíba” foi atingido no frontal, no maxilar, na perna esquerda e na coxa direita com exposição óssea, o que resultou na amputação da perna direita. O tenente-coronel Sylvio Ferreira da Silva, hoje general, sofreu amputação traumática dos dedos da mão esquerda, lesões graves na coxa esquerda e queimaduras de primeiro e segundo graus. Hoje, 45 anos depois, ainda sofre com as seqüelas provocadas. Ficaram gravemente feridos o inspetor de polícia Haroldo Collares da Cunha Barreto e Antônio Pedro Morais da Cunha; os funcionários públicos Fernando Ferreira Raposo e Ivancir de Castro; os estudantes José Oliveira Silvestre e Amaro Duarte Dias; a professora Anita Ferreira de Carvalho; a comerciária Idalina  Maia; o guarda-civil José Severino Barreto; além de Eunice Gomes de Barros e seu filho, Roberto Gomes de Barros, de apenas seis anos de idade.

O acaso, transferindo o local da chegada de Costa e Silva, evitou que a tragédia fosse maior. Já não se podia duvidar do que estava  acontecendo.  Os métodos empregados, as bombas de alto teor mortífero, a maneira como o plano estava sendo executado  indicavam que  Recife fora escolhido por agitadores treinados para  iníciar as açoes mais sinistras.

O povo brasileiro se viu tomado de pavor ao ver introduzido no nosso país  um processo que vinha de fora, com cruel requinte de perversidade.  Era o começo de um plano bem urdido,  com ameaça de intimidação . O terrorismo já estava em marcha. Este sinistro atentado é considerado como o início da luta armada. A reação inicial da policia não impediu que outros atos terroristas se repetissem - "justiçamentos," sequestros, ataques a viaturas militares e roubo de armas em     quartéis, assassinatos de militares estrangeiros e de pessoas inocentes, atentado a bomba no quartel do II Exército em São Paulo.  

As autoridades que tentaram acabar com anarquia do governo João Goulart , tiveram que  adotar reações mais drásticas para tentar impedir o crescimento de atos como esse Mas, custou caro, a reação foi de acordo com a violência das ações . Vidas foram perdidas dos dois lados.
Durante muito tempo, a esquerda escondeu, enquanto pôde, a autoria desse atentado, chegando a afirmar que teria sido feito pela direita para tentar incriminá-la. Técnica antiga muito usada, até os dias de hoje, As autoridades, atônitas, procuravam os autores desses atentados. Não obtinham nenhuma resposta. Não tínhamos, até então, nenhum órgão para combater com eficiência o terrorismo.

Foi um comunista, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que teve a hombridade de denunciar esse crime: Jacob Gorender, em seu livro Combate nas Trevas - edição revista e ampliada - Editora Ática - 1998, escreve sobre o assunto:

“Membro da comissão militar e dirigente nacional da AP, Alípio de Freitas encontrava-se em Recife em meados de 1966, quando se anunciou a visita do general Costa e Silva, em campanha farsesca de candidato presidencial pelo partido governista Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Por conta própria Alípio decidiu promover uma aplicação realista dos ensinamentos sobre a técnica de atentados.”

“Em entrevista concedida a Sérgio Buarque de Gusmão e editada pelo Jornal da República, logo depois da anistia de 1979, Jair Ferreira de Sá revelou a autoria do atentado do Aeroporto de Guararapes por militantes da AP.

Entrevista posterior, ao semanário Em Tempo, referiu-se a Raimundinho como um dos participantes da ação. Certamente, trata-se de Raimundo Gonçalves Figueiredo, que se transferiu para a VAR-Palmares (onde usava o nome de guerra Chico) e morreu, a vinte sete de abril de 1971, num tiroteio com policiais do Recife.”


Fica, portanto, esclarecida a autoria do atentado ao Aeroporto de Guararapes:

· Organização responsável: Ação Popular (AP);

· Mentor intelectual: ex-padre Alípio de Freitas - que já atuava nas Ligas Camponesas -, membro da comissão militar e dirigente nacional da AP; e

· Executor: Raimundo Gonçalves Figueiredo, militante da AP.

Observações:

- Em 25/12/2004, Cláudio Humberto, em sua coluna, no Jornal de Brasília, publicou a concessão da indenização fixada pela Comissão de Anistia, que beneficia o ex-padre Alípio de Freitas, hoje residente em Lisboa. Ele terá direito a R$ 1,09 milhão.

- Raymundo Negrão Torres, em seu livro O Fascínio dos Anos de Chumbo, Editora do Chain, página 85, escreve o seguinte:

“Um dos executores do atentado, revelado pelas pesquisas e entrevistas promovidas por Gorender, foi Raimundo Gonçalves Figueiredo, codinome Chico, que viria, mais tarde a ser morto pela polícia de Recife em 27 de abril de 1971, já como integrante da VAR-Palmares e utilizando o nome falso de José Francisco Severo Ferreira, com o qual foi autopsiado e enterrado. Esse terrorista é um dos radicais que hoje são apontados como tendo agido em defesa da democracia e cujos “feitos” estão sendo recompensados pelo governo, às custas do contribuinte brasileiro, com indenizações e aposentadorias que poucos trabalhadores recebem, recompensa obtida graças ao trabalho faccioso e revanchista da Comissão de Mortos e Desaparecidos, instituída pela lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995. É um dos nomes glorificados no livro Dos filhos desse solo, página 443, editado com dinheiro dos trabalhadores e no qual Nilmário Miranda, ex-militante da POLOP e secretário nacional dos Direitos Humanos do governo Lula, faz a apologia do terrorismo e da luta armada, através do resultado dos trabalhos da tal comissão, da qual foi o principal mentor.”

- Raimundo Gonçalves Figueiredo é nome de uma rua em Belo Horizonte/MG e sua família também foi indenizada.