18 de jan. de 2011


O ASSASSINATO DO PROFESSOR FRANCISCO JACQUES MOREIRA DE OLIVEIRA DE ALVARENGA
Matavam os próprios companheiros e hoje recebem polpudas indenizações. E a Comissão da Verdade, aonde está?
 
    Em 1973, as organizações comunistas que participavam da luta armada estavam iniciando o caminho do fim. A ação enérgica dos órgãos de segurança intimidava e restringia os movimentos dos seus militantes. Muitos foram presos. Muitos morreram no momento da prisão. A maioria, entretanto, fugiu para o exterior.

    Tudo isso e mais a frustração pela luta armada não haver mobilizado a população como pretendiam tornaram moribundas as poucas organizações que ainda atuavam e seus dirigentes debatiam-se entre a ânsia de fugir e a ainda, mas pouca, vontade de atuar. De qualquer modo, viviam escondidos nos aparelhos e realizavam poucas ações armadas, restritas àquelas destinadas a colher fundos para sustentar seus militantes.

    Uma dessas organizações era a Ação Libertadora Nacional (ALN), oriunda das idéias de Marighella e que, pregando "a ação pela ação", tornara-se uma das mais violentas.

    A outra era a Resistência Armada Nacionalista (RAN), uma organização que, com o nome inicial de Grupo Independência ou Morte (GIM), surgira dos escombros do antigo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de Brizola. Uma estranha organização carioca, que ousava usar termos do tipo "nacionalista", que fugia aos clássicos padrões do marxismo-leninismo e cujas siglas, sucessivamente, foram as curiosas "GIM" e "RAN".

    A ALN era a "grande" organização, a qual, entretanto, já havia perdido seus dois maiores líderes, Marighella e Toledo. A RAN era uma diminuta organização, que ainda tinha o seu líder, o pequenino e serelepe Amadeu de Almeida Rocha ("Augusto", "Valter"), que se orgulhava de ter sido preso na Guerrilha de Caparó e que gostava de ser chamado de "Comandante Amadeu".

    O que as unia, entretanto, era a vontade de fazer a revolução e a opção pela luta armada. Enquanto que, em 1973, a ALN já se debatia pelas contínuas "quedas" de seus líderes, a RAN, intacta e incólume, decidia iniciar, naquele começo de ano, suas ações armadas.

    Em nossa história, havia dois amigos:

        - um era Merival de Araújo ("Zé"), militante da ALN, participante de diversas ações armadas, dentre as quais o assassinato do delegado Octávio Gonçalves Moreira Júnior ("Otavinho"), em Copacabana, em 25 de fevereiro de 1973;

        - o outro era Francisco Jacques Moreira de Alvarenga ("Bento"), militante da RAN e mais conhecido como professor Jacques.

    A amizade entre ambos havia começado quando Jacques era o professor de Merival. Naquela época, eles constituiam-se na ligação entre a ALN e a RAN.

    A nossa história começa na manhã de 22 de fevereiro de 1973, quando a RAN, sem armamento suficiente para desencadear as ações violentas, decidiu roubar as armas da 16ª Inspetoria da então existente Guarda Noturna, localizada na Rua Uruguai, 380, Loja 50, na Tijuca, Rio de Janeiro.

    Quatro militantes lotaram um carro para o assalto: José Sergio Vaz ("Luiz", "Marcelo") - comandante da ação - Hermes Machado Neto ("Antonio", "Julio"), Jefferson Santos do Nascimento ("Santos") e José Flavio Ramalho Ortigão ("João") que, por ser o motorista do "Comandante Amadeu" - e da ação - passou a ser conhecido como "Fittipaldi".

    A indigência da RAN criava simbolismos: a única pistola .45 existente ficava com o comandante da ação. Durante a incursão, Jefferson disparou acidentalmente a sua arma, provocando uma fuga precipitada. Foram roubados apenas dezenove revólveres.

    Durante a retirada, uma cena cômica: os assaltantes, de carro, foram perseguidos algum tempo por um guarda-noturno de bicicleta. Naquela ocasião, Jefferson disparou novamente, tentando afugentar o perseguidor. Após a ação, Hermes Machado e Jefferson saltaram do carro no ponto final do ônibus 410, na Tijuca, enquanto que Ramalho Ortigão e José Sérgio Vaz seguiram até a parte dos fundos do Hospital Pedro Ernesto, onde entregaram uma pasta com as armas ao "Comandante Amadeu". Em seguida o carro foi abandonado no Maracanã.

    O assalto à Guarda Noturna foi motivo de euforia na organização. Como crianças travessas, os "revolucionários" Amadeu Rocha e Júlio Ferreira Rosas Filho ("Teixeira"), um professor da Faculdade Estácio de Sá, ligavam para todos os conhecidos mandando que comprassem os jornais e identificassem o assalto como sendo de autoria da RAN. Amadeu chegou a preparar correspondência para os jornais, onde a organização assumia a responsabilidade da ação.

    Cinco dias depois, os mesmos quatro militantes, já devidamente armados e reforçados por Sandra Lazzarini ("Tania", "Valeria"), médica residente do Hospital Pedro Ernesto, assaltaram a residência de um médico na Rua Senador Vergueiro, no Flamengo, de onde levaram dinheiro e ações ao portador.

    Foi a última ação armada da RAN. Seus militantes, cometendo diversos erros e não afeitos à clandestinidade, foram sendo presos um a um, até que, no dia 5 de abril, "caiu", na agência Centro da Caixa Econômica Federal, o "Comandante Amadeu". Amadeu, além do grande constrangimento causado à sua esposa, Alice, que, na prisão, ficou conhecendo Vera Lúcia, sua "noiva", foi uma grande decepção para todos aqueles que o tinham como um líder. Da arrogância e da autoconfiança de "Valter" ou de "Augusto", discípulo aplicado da escola de Leonel Brizola, o tutor de Caparaó, nada restou. Desprovido de coragem física e moral, Amadeu Rocha acovardou-se de forma tão humilhante, que se tornou fator de "desbundamento" de vários militantes da RAN que pretendiam manter o "papel digno do revolucionário na prisão".

    O que restava da RAN, até o dia 5 de abril de 1973, foi destruído pela delação de Amadeu de Almeida Rocha. Mais tarde, já cumprindo pena, o "grande líder" da RAN denunciaria as "torturas" que teria sofrido, procurando justificar a tibieza de seu comportamento na prisão.

    Mas ainda menos sorte teve o professor Jacques. Antes de sua prisão, no início de maio, recebera de Julio Ferreira Rosas Filho um pacote, contendo algumas armas do lote roubado da Guarda Noturna, com a orientação de desfazer-se dele. O professor Jacques passou as armas para seu amigo da ALN, Merival Araújo.

    Durante os seus depoimentos na polícia, Jacques "abriu" um contato que teria com Merival, que, de forma previsível, em se tratando de terrorista da ALN, foi morto ao reagir à prisão.

    Isso foi muito duro para a ALN. Além de estar acuada e de ter perdido seus principais líderes, sofria uma nova grande perda, agora por culpa de um "professorzinho" de uma "organizaçãozinha" que tinha nome de um "bicho do brejo".

    A liberação do professor, um mês depois de ter sido preso, açulou a ALN, que, naquele ano, já havia "justiçado" duas pessoas. Montado um tribunal revolucionário, o Professor Jacques foi condenado à morte.

    A militante Maria do Amparo Almeida Araújo, irmã do também militante da ALN Luiz Almeida Araújo, participou dos levantamentos dos hábitos do professor.

    Em 28 Jun 73, às 1115h, o companheiro de Maria do Amparo, Thomaz Antonio da Silva Meirelles Netto ("Luiz") - um dos mais violentos militantes da ALN e que também participara do assassinato do delegado Otavinho - chefiando mais dois militantes da ALN, nunca identificados, rendeu o porteiro do Colégio Veiga de Almeida da Rua São Francisco Xavier, na Tijuca. Invadiram a escola e foram encontrar o professor Jacques sentado numa sala de aula, redigindo uma prova para os vestibulandos do curso MCB. Quatro tiros de pistola .45 mataram o professor, menos de três semanas depois de ter sido solto. Um cadáver, muito sangue no chão e uma das paredes pichadas com a sigla "ALN", foi o que encontraram os policiais ao chegarem no local.     Para os terroristas, o "tribunal revolucionário" detinha o poder da vida e da morte e esse assassinato era um "justiçamento". Na realidade, foi mais um crime dos comunistas brasileiros.

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