8 de mai. de 2013

Do esquerdismo como religião
e do estado como seu deus

Publicado em 5 de maio de 2013 por Gravataí Merengue em Gravz

Odin, o deus em que acredito, mas cuja crença mantenho restrita ao plano íntimo-metafísico.
Considero injusta a tradicional associação que se faz da religião à direita mais acentuada, especialmente quando se trata do estado. Sim, de fato alguns direitistas defendem a permanência de crucifixos em prédios públicos (sem o mesmo empenho quando se trata de uma imagem de Ogum ou Tupã).

Também consideram importante haver leis determinando os gêneros que podem ou não contrair matrimônio. Ok, é verdade, também não reclamam quando há ensino religioso cristão nas escolas, embora – aí com razão – não aceitem a doutrinação ideológica quando se trata de História.

Mas vamos à esquerda e sua associação comum ao ateísmo. Dica: trata-se de erro imbecil.

Isso porque os esquerdistas, quanto a estado/governo, são verdadeiros carolas. É preciso, antes e acima de tudo, ter muita fé para de fato defender essas bandeiras.

A idéia de tutela estatal ampla e quase irrestrita, constante da bandeira esquerdista em geral, é perfeitamente encaixável em formulações teológicas. Para essa turma, os indivíduos são única e exclusivamente o rebanho da divindade estatal, imaterial e onipresente, representada entre os mortais pelo governo.

Cabe ao estado, providenciado pelos governantes, garantir não apenas comida, serviços médicos, segurança e moradia, mas também transporte, estudos, lazer, dinheiro em espécie, seguridade social, espaço para andar de bicicleta ou skate e até mesmo o “direito à felicidade”. Sim, há projeto para mudar a Constituição Federal “garantindo” felicidade ao povo.

Fica a impressão de que esse tal estado seria algo mais poderoso que todos os deuses das mais variadas mitologias. Mas, claro, essa pletora de direitos e garantias resultam do pagamento de tributos, com aquela já tradicional comissão recolhida pelo governo sem a devida reversão proporcional em benefícios.

Seria como se de fato o dinheiro de uma seita fosse para as mãos de um deus, mas com retenção de 90% para a administração clerical. Troque clero por estado e temos o que ocorre, na prática, em um governo “de esquerda”. A diferença é que para o governo-representante-de-deus não se recolhe apenas dez por cento e a tarifa é obrigatória.

Mas o fundamental aqui é a crença, aparentemente sincera, de que realmente o estado vá salvar o mundo de todos os males. É uma fé totalmente religiosa, com direito a depender do intermédio de alguns “sacerdotes inspirados” (todos muito ricos e alguns transformados em santos) para dar conta da missão divina.

E há mais: a culpa. Nada mais religioso que a culpa e nossa esquerda é carregada disso. Há quem formule, a sério, que a culpa do crime possa ser associada à ostentação – ou ainda que simplesmente não se deva ostentar (esse raciocínio, se aplicado aos casos de estupro, mostra o nível de imbecilidade de quem o emprega).

Nesse contexto, a idéia do “individualismo” parece egoísmo-desalmado-de-gente-sem-coração-e-que-quer-ver-o-mundo-acabar-em-ladeira-para-morrer-deitado. Mas, não: é apenas a corrente de pensamento – e prática – pela qual cada um faz sua parte e é recompensado nessa proporção. Viu? Não é tão ruim.

O problema é que não há um deus-estado para salvar a pele mediante arrependimento e garantir um paraíso na terra (ou fora dela). Tudo depende do indivíduo, seja por seu intelecto, sorte, talento etc. Cabe ao governo, e usando a lei, apenas fiscalizar a harmonia de relações entre as pessoas – físicas e jurídicas.

Para parcela considerável da esquerda, o deus-estado garantiria os resultados (até a felicidade!), ao contrário do estado-de-verdade que garante (ou deveria garantir) apenas as condições para isso (e é importante não confundir “igualdade de condições” e “igualdade de resultados”, bobagem mocoronga meio recorrente).

Assim como ocorre com o ateísmo em relação à felicidade em geral, não acreditar num governo-salvador é uma barra pesada, pois temos apenas a nós mesmos para conseguir as coisas. Isso não quer dizer que devamos passar por cima dos outros; ao contrário, precisamos zelar para que haja pleno e irrestrito exercício das liberdades. E em todos os direitos.

Fica o recado aos que se consideram ateus nos sentidos metafísico e religioso, mas ao mesmo tempo acreditam piamente num estado com aspectos de divindade, que seria representado na terra por salvadores muito bem intencionados (e também ricos).

Minha sugestão é que tirem suas crenças da prática política, mantendo-as apenas no plano místico. Não faz sentido brigar tanto um “estado laico” se, na verdade, o que se defende é uma estrutura estatal com atribuições divinas.

E, claro, isso torna ainda mais ridícula a troça de muitos sobre os religiosos, pois estes ao menos mantêm suas convicções imateriais no plano adequado.

Comentário do Blog:
Concordamos integralmente, apesar do posicionamento do autor em relação a outros temas.

Gravataí Merengue
Fernando Gouveia, 36 anos, é empresário, advogado, pós-graduado em Direito Empresarial e eternamente músico frustrado. A favor da legalização do aborto, da liberação de todas as drogas, do casamento de pessoas do mesmo sexo e adoção de crianças por elas. E também de formas de governo que não envolvam a onipresença do estado, bem como seu papel como babá-e-bedel. Por fim, a favor da punição de políticos corruptos condenados, independentemente do partido. Fundou em 2001 o blog Imprensa Marrom e, atualmente, colabora no portal Implicante.


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